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Ministro do STF Ricardo Lewandowski anulou a delação da Odebrecht que cita o ex-presidente Lula.
Ministro do STF Ricardo Lewandowski anulou a delação da Odebrecht que cita o ex-presidente Lula.| Foto: Lula Marques/Fotos Públicas

Em dois dias, duas novas decisões vindas do Supremo Tribunal Federal impõem novas derrotas no combate à corrupção, reescrevendo o passado e garantindo que as investigações atuais continuem não levando a lugar algum. Na segunda-feira, o ministro Ricardo Lewandowski determinou que o acordo de leniência da Odebrecht não poderá mais ser usado no inquérito sobre a sede do Instituto Lula; no dia seguinte, a Segunda Turma anulou a condenação do ex-governador mineiro Eduardo Azeredo no “mensalão tucano”, remetendo o processo à Justiça Eleitoral.

A decisão de Lewandowski é apenas mais uma na enorme lista de atos recentes do Supremo que beneficiam o ex-presidente Lula, que em apenas dois anos passou de presidiário condenado a ficha-limpa e pré-candidato ao Planalto em 2022. À enorme série de decisões equivocadas da corte, que já criou figuras jurídicas bizarras como o recurso que sobrevive à extinção do processo ao qual ele estava ligado, Lewandowski soma, agora, a “suspeição por associação”. O ministro, em sua decisão, escreveu que “quando o Supremo Tribunal Federal declarou a incompetência do ex-juiz Sergio Moro para o julgamento de Luiz Inácio Lula da Silva, reconheceu também, implicitamente, a incompetência dos integrantes da força-tarefa Lava Jato responsáveis pelas investigações e, ao final, pela apresentação da denúncia”. Ora, a competência da força-tarefa para realizar as investigações jamais esteve em jogo em toda a discussão sobre a suspeição, cujo alvo era, única e exclusivamente, Moro. Não há “incompetência estendida”, nem explícita nem implicitamente.

Atos processuais, investigações, acordos de colaboração, processos inteiros são anulados apesar de terem sido realizados na mais completa legalidade, tornando cada vez mais difícil que os corruptos paguem por seus crimes

Além disso, como lembrou o procurador Deltan Dallagnol ao comentar a decisão em seus perfis nas mídias sociais, Lewandowski também se equivocou ao usar como argumento a maneira como foram feitas as negociações com autoridades estrangeiras para a costura do acordo de leniência. O ex-coordenador da força-tarefa explicou que a Lava Jato usou um tipo de cooperação internacional que, embora não envolva formalização extrema do entendimento, também é (ou era, a julgar pela decisão de Lewandowski) amplamente aceita pelas autoridades brasileiras, tendo sido empregado até mesmo pelo próprio Supremo em outras ocasiões. Diante disso, não há como não considerar que estamos diante de uma decisão completamente casuísta, em que certos atos são válidos ou inválidos dependendo apenas de quem é beneficiado ou prejudicado.

Já a anulação da condenação de Azeredo é mais um caso de reversão de atos juridicamente corretos, realizados em perfeita obediência à legislação então vigente. Azeredo tinha sido condenado em primeira instância em 2015, e na segunda instância dois anos depois. Chegou a ser preso, mas saiu da cadeia em 2019 graças ao fim da prisão após condenação em segunda instância, decidido pelo STF. Naquele mesmo ano, o Supremo já tinha resolvido que qualquer caso de corrupção que envolvesse desvio de recursos para campanhas políticas tinha de ser julgado pela Justiça Eleitoral, não pela Justiça comum. A decisão – que à época classificamos como “derrota avassaladora” do combate à corrupção, com base em uma interpretação que, embora possível, era repleta de “falhas conceituais” – abria precedentes para inúmeras anulações de condenações e atos judiciais, e foi com base naquele entendimento que a defesa de Azeredo buscou o STF, já que o “mensalão tucano” consistiu no uso de dinheiro desviado de estatais mineiras para bancar a campanha de reeleição de Azeredo em 1998.

Edson Fachin, que foi voto vencido – a maioria foi formada por Lewandowski, Gilmar Mendes e Nunes Marques –, lembrou que a competência da Justiça mineira para julgar Azeredo nem mesmo chegou a ser questionada nas instâncias inferiores. Este fato, além de levar a uma situação de “flagrante supressão de instâncias”, já que a questão estava sendo discutida diretamente no Supremo, ainda atesta o consenso que havia a respeito de onde deveria ocorrer o julgamento. Impossível não recordar das anulações de condenações da Lava Jato em que corréus delatados entregaram suas alegações finais ao mesmo tempo dos delatores: outra situação em que a lei foi seguida à risca, sem prejuízo à ampla defesa, e ainda assim o Supremo optou por desfazer todo o trabalho realizado diligentemente pela primeira instância.

Mais uma vez o Supremo se porta como o maior promotor de impunidade e insegurança jurídica do Brasil. Atos processuais, investigações, acordos de colaboração, processos inteiros são anulados apesar de terem sido realizados na mais completa legalidade, tornando cada vez mais difícil que os corruptos paguem por seus crimes – pois este é o efeito prático de toda a jurisprudência que o STF vem formando, pouco importando as intenções dos ministros que decidem monocraticamente ou criam maioria. Cada vez mais, fica a impressão de que, mesmo quando os responsáveis por investigar e julgar tomam todos os cuidados e não deixam nenhuma brecha para contestação, os ministros do STF farão questão de encontrá-la ou até de inventá-la. Impossível ter esperanças de um Brasil sem corrupção enquanto a suprema corte seguir assim.

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