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Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco afirmou que, em um cenário de crescimento do PIB e da arrecadação, seria possível pensar em uma revisão do teto de gastos.| Foto: Pedro Gontigo/Senado Federal

Defender o ajuste fiscal em tempos de vacas magras, quando falta dinheiro, é mera questão de bom senso, embora ainda haja muitos irresponsáveis, às vezes em posições de destaque, que sigam pedindo mais e mais gastança. Muito mais difícil é defender o ajuste fiscal quando as coisas vão bem. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), demonstrou essa dificuldade ao falar do teto de gastos, cuja regra de cálculo é alterada pela PEC dos Precatórios. “Temos o desafio da manutenção da rigidez fiscal e da responsabilidade fiscal no Brasil. Naturalmente que, em algum momento, quando tivermos uma boa perspectiva de crescimento, de boa arrecadação, se um combate mais eficaz à erradicação da pobreza, nós poderemos rediscutir o teto de gastos públicos e, eventualmente, termos a condição de flexibilizá-lo até. Mas não é este o momento atual”, afirmou Pacheco na segunda-feira, dia 15, no Fórum Jurídico de Lisboa, em Portugal.

Em outras palavras, o que Pacheco diz é que é impróprio “rediscutir” ou “flexibilizar” o teto de gastos não pelas virtudes do mecanismo, mas apenas porque a situação não permite: o cobertor é curto, o país ainda patina na recuperação de dois desastres sucessivos – a recessão lulopetista de 2015-2016 e a pandemia de Covid-19 –, a inflação assusta e as perspectivas de crescimento para 2022 são pouco animadoras. Mas, em outras circunstâncias mais favoráveis, por que não? Este raciocínio ignora que o teto de gastos é medida tão importante nos tempos bons quanto nos tempos ruins – ao menos por algum tempo.

Em épocas de maior crescimento e arrecadação, o teto de gastos evita que a dinâmica da gastança se repita, garantindo que o governo volte a ter superávits e possa, por exemplo, reduzir a dívida pública

O teto de gastos, é preciso sempre recordar, foi uma resposta do governo Michel Temer à gastança que marcou o fim da era Lula e a passagem de Dilma Rousseff pelo Palácio do Planalto. Vários desses anos foram de crescimento forte, incluindo o “PIBão” de 7,53% em 2010. Ao avanço na economia correspondeu elevação igual ou maior no gasto público, criando obrigações que pressionariam o Orçamento de forma permanente, independentemente do desempenho futuro do país – e a conta não demorou muito a vir. Em épocas de maior crescimento e arrecadação, impedir que a despesa pública total suba acima da inflação tem a finalidade de evitar que a dinâmica da gastança se repita, garantindo que o governo volte a ter superávits e possa, por exemplo, reduzir a dívida pública, que avançou muito como proporção do PIB no passado recente e está bem acima da média dos países emergentes.

O problema atual não está no teto em si, mas no fato de ele não ter sido acompanhado de outras reformas com efeito no orçamento, especialmente sobre as duas rubricas mais pesadas: Previdência e funcionalismo. Sem reformas previdenciária e administrativa robustas, estes dois gastos tendem a subir mais que a inflação e absorver parcelas cada vez maiores do orçamento, tomando espaço de outras despesas, também obrigatórias ou de livre escolha do governo. Temer planejava realizar a reforma da Previdência logo após aprovar o teto de gastos, mas o “escândalo Joesley” o forçou a gastar todo o seu capital político para sobreviver às denúncias da Procuradoria-Geral da República. No fim, a reforma só foi realizada em 2019, já no governo de Jair Bolsonaro, e ainda assim ficou aquém do ideal. A reforma administrativa está parada, mas caminha para destino semelhante: um texto desfigurado que não contribuirá de forma significativa para um verdadeiro ajuste no gasto com pessoal.

O teto, portanto, não tem apenas a finalidade de conter o gasto público, mas de torná-lo mais racional. Ele “obrigaria” governo e Congresso a realizar reformas dignas do nome, a desinchar o Estado, a eliminar gastos desnecessários, ineficazes ou imorais – como o financiamento público de partidos e campanhas eleitorais, para ficarmos apenas em um exemplo mais evidente –, a rever subsídios e renúncias fiscais que já se mostraram ineficientes ou não cumpriram seus objetivos, a desengessar um Orçamento repleto de obrigações e vinculações que deixam migalhas para o governo executar o programa consagrado nas urnas.

No entanto, este roteiro, que poderia colocar o Brasil em uma rota de crescimento, vem sendo quase que completamente ignorado. E uma “revisão” ou “flexibilização” do teto depende justamente da concretização deste programa, não da chegada de um novo tempo de vacas gordas. Com gasto público controlado, superávits consolidados, dívida pública reduzida, Estado mais enxuto e eficiente, Orçamento desengessado e desperdícios eliminados – em outras palavras, quando a racionalidade na despesa pública se tornasse hábito consolidado –, seria muito mais fácil “desapertar o cinto”. Mas, do ponto de vista político, realmente é muito mais fácil não fazer o que precisa ser feito, esperar até que os gastos não caibam mais no orçamento, colocar a culpa de tudo no teto e contorná-lo, flexibilizá-lo ou simplesmente aboli-lo. E qualquer afrouxamento sem as reformas, seja em tempos bons ou ruins, será apenas pretexto para mais gastos, que voltarão a cobrar seu preço mais adiante, assim como ocorreu em 2015-2016.

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