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| Foto: Ismail Ferdous/Bloomberg

Os tempos das grandes crises cambiais do fim dos anos 90 pareciam já ter passado, mas bastou um pequeno abalo na Turquia para o Brasil perceber as suas fragilidades. Nos primeiros anos da estabilização econômica trazida pelo Plano Real, México, Rússia e países do Sudeste Asiático sofreram com graves crises que atingiram outros emergentes sem piedade; o Brasil, quando abandonou o regime de câmbio controlado para adotar o câmbio flutuante, já viu o real derreter algumas vezes, como em 2001, na esteira da crise argentina. As variações recentes não são tão grandes quanto as de outrora, mas também não são nada desprezíveis: o dólar, hoje, custa 20% mais que no início de 2018. A moeda norte-americana, que iniciou agosto na casa dos R$ 3,70, voltou ao patamar de R$ 3,90 que já tinha sido observado no começo de julho.

A Turquia sofre com excessivo intervencionismo estatal na economia e pressões do autoritário presidente Recep Tayyip Erdogan por juros mais baixos. A inflação acumulada dos últimos 12 meses é de 16%, o setor privado está bastante endividado e o déficit vem crescendo. Uma situação que, por si só, tem tudo para não acabar bem foi agravada pela decisão do governo Donald Trump de dobrar as tarifas sobre o aço e o alumínio turcos, em meio a uma crise diplomática: os Estados Unidos se recusam a deportar um pregador turco que, segundo Erdogan, teria estimulado um golpe de Estado em 2016, enquanto a Turquia mantém preso um pastor norte-americano condenado por “terrorismo” e “espionagem”.

Não há como pensar em solidez no longo prazo com déficits primários na casa dos R$ 150 bilhões ano após ano

Por mais que a rusga envolva apenas Estados Unidos e Turquia, em situações como essa o primeiro impulso dos investidores é levar seu dinheiro para onde há mais segurança, retirando-o dos países que são sinônimo de risco. As moedas da África do Sul, Rússia e Argentina estão entre as que mais têm sofrido com o movimento recente – os sul-americanos já precisaram recorrer ao Fundo Monetário Internacional. E tudo isso sem que os Estados Unidos tenham elevado seus juros, o que deve ocorrer ainda neste ano, reforçando a fuga de capitais dos países emergentes.

O fato de investidores preferirem retornos mínimos em economias sólidas em vez de juros maiores em países emergentes – mesmo aqueles aparentemente mais organizados – demonstra que a segurança ainda é muito mais valorizada que o lucro prometido. E isso nos traz ao caso brasileiro. O superaquecimento da economia e a redução voluntarista dos juros já ficaram para trás, enterrados com a “nova matriz econômica” lulopetista que nos legou a maior crise da história, mas o Brasil continua longe de ser um porto seguro para o capital internacional, especialmente graças à sua situação fiscal.

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É verdade que o Brasil tem reservas bilionárias em dólares, permitindo ao Banco Central minimizar o impacto de variações mais expressivas do dólar; além disso, a parcela da dívida brasileira em moeda estrangeira é baixa, e o saldo da balança comercial está positivo, trazendo dólares para o país. Mas não há como pensar em uma trajetória de solidez no longo prazo acumulando déficits primários na casa dos R$ 150 bilhões ano após ano, enquanto se aposta em renúncias fiscais as mais diversas e se ignora a necessidade de reformas que atinjam as maiores fontes de gastos do governo, como a Previdência e o funcionalismo.

É até possível que a crise turca encontre um desfecho rápido e que haja alguma estabilização nas cotações das moedas emergentes. Mas, passados os impactos imediatos, as nossas fraquezas de médio e longo prazo continuarão a assombrar. A mensagem deixada pela turbulência atual é inequívoca: se o Brasil quiser atrair investidores que venham para ficar, em vez de saírem ao primeiro sinal de instabilidade, ainda há um longo caminho a percorrer, e ele passa obrigatoriamente pelas reformas que resolvam a situação fiscal brasileira.

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