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Os senadores tucanos Cássio Cunha Lima, da Paraíba, e Aloysio Nunes Ferreira, de São Paulo, apresentaram um projeto de decreto legislativo para cancelar o acordo entre o governo brasileiro e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) que permite a vinda de médicos cubanos para o Brasil, dentro do âmbito do programa Mais Médicos. Não demorou para que sites e blogs alinhados ao governo começassem a divulgar que os parlamentares queriam “expulsar os cubanos do Brasil” ou até mesmo “acabar com o Mais Médicos”. Mais correto seria dizer que a intenção é impedir que a legislação trabalhista brasileira continue a ser desrespeitada, e que os cubanos e suas famílias continuem a ser feitos reféns da ditadura que vigora em seu país – objetivo, acreditamos, com que todos concordam, independentemente de alinhamento político.

Como já afirmou a Gazeta do Povo em outras ocasiões, não há problema em recorrer a profissionais estrangeiros para suprir uma carência de médicos em diversos locais do Brasil. O problema é a diferença de tratamento entre os cubanos e os demais participantes do Mais Médicos. Enquanto estes recebem integralmente seu salário de R$ 10 mil, os cubanos têm um trâmite totalmente diferente: o governo brasileiro remete o dinheiro à Opas, que só então o repassa aos médicos cubanos – mas eles ficam com apenas 30% do valor; o restante vai para Cuba, com uma pequena parcela sendo entregue à família do médico e o restante, à ditadura dos irmãos Castro. Ora, isso é uma violação das leis que regem as relações de trabalho no Brasil e, por si só, já seria suficiente para que se buscasse eliminar essa intermediação. Os médicos cubanos têm o direito de receber seu salário integral da mesma forma como os demais estrangeiros.

O governo brasileiro se aproveitou de uma carência para promover camaradagem financeira a um parceiro ideológico de longa data

Como se isso não bastasse, o governo cubano impõe restrições às famílias dos profissionais que estão no Mais Médicos. Elas só podem vir ao Brasil em férias, embora essa exigência não esteja no contrato – o Brasil dá aos familiares dos médicos vistos de três anos e o artigo 18 da Lei 12.871/2013, que criou o Mais Médicos, prevê inclusive que os parentes possam exercer atividade remunerada no Brasil. As regras sui generis aplicadas aos cubanos não terminam aí: os médicos precisam obrigatoriamente passar suas férias em Cuba, e só podem voltar ao Brasil depois do descanso se a família também estiver na ilha caribenha. Caso os parentes tenham ficado por aqui, o médico é impedido de sair de Cuba e pode ter seu diploma cassado.

O objetivo do governo cubano ao criar todo tipo de dificuldade para que os médicos e suas famílias fiquem juntos fora de Cuba é um só: impedir deserções – desde o início do Mais Médicos, 40 cubanos já fugiram. O último caso foi o de Dianelys Parrado, que escapou da vigilância dos agentes de Raúl Castro e foi para Miami. Dianelys atuava na Grande São Paulo desde 2013; o marido estava empregado em uma fábrica e o filho estudava em uma escola bilíngue. Entre fugir para os Estados Unidos e enviar sua família de volta para Cuba, ela escolheu a primeira opção.

Por fim, a ação dos dois senadores se justifica à luz do que foi revelado pela Band semanas atrás. A emissora de televisão conseguiu gravações de uma reunião ocorrida antes do lançamento do Mais Médicos, e na qual estavam pelo menos seis assessores de ministérios. Uma das participantes diz, com todas as letras, que não pode ficar claro que o que realmente está ocorrendo é um acordo bilateral entre Brasil e Cuba. Para isso, sugere-se a abertura do programa a profissionais de outros países, que no entanto constituirão uma minoria ínfima. Um dos participantes ainda diz que o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, sugeriu que o governo cubano receberia 60% do salário dos profissionais, e outra integrante do grupo (a mesma que se preocupa com a camuflagem do acordo bilateral) afirma que isso não é problema do governo brasileiro.

O Mais Médicos, diz o governo, nasceu com a motivação nobre de oferecer atendimento a brasileiros carentes de assistência médica. Mas as gravações mostram que o governo brasileiro também se aproveitou dessa carência para promover uma camaradagem financeira a um parceiro ideológico de longa data – e que necessita desesperadamente de dinheiro. A disposição dos médicos estrangeiros em ajudar é bem-vinda. Mas que possam fazê-lo livremente, recebendo o salário a que têm direito e sem que ditaduras transformem profissionais e suas famílias em reféns. Infelizmente, não é o que vem acontecendo.

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