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O Congresso Nacional deu sinais, na semana passada, de que faz pouco caso do combate à corrupção. Lideranças do Congresso anunciaram que pretendem retirar do regime de urgência o projeto de lei de iniciativa popular criado a partir da campanha “Dez Medidas Contra a Corrupção”, promovida pelo Ministério Público Federal.

Para o combate à corrupção, este é o pior dos mundos. Com todo o mar de lama descoberto por operações como a Lava Jato e a Custo Brasil, a sociedade deseja a aprovação de um conjunto de dispositivos que fortaleçam o ambiente institucional contra desvios de recursos, seja dificultando o cometimento de crimes, seja estabelecendo punições mais severas, seja promovendo conscientização e facilitando a recuperação de recursos desviados. Enfim, a nação espera precisamente a aprovação de projetos de lei como o que surgiu da campanha “Dez Medidas Contra a Corrupção”.

É preciso evitar no Brasil o que aconteceu na Itália após o desfecho da Operação Mãos Limpas

Essa proposta conta com o apoio da sociedade – afinal, o projeto recebeu a assinatura de pelo menos 2 milhões de brasileiros – e tem em seu escopo medidas que certamente vão contribuir para melhorar o combate a crimes do colarinho branco. É por esse motivo que causa preocupação a possibilidade de os líderes do Congresso atrasarem o trâmite desse projeto, sob o pretexto – muito discutível – de que não há consenso sobre a aprovação das medidas e de que o projeto vai passar a “trancar a pauta” da Câmara, por não ter sido votado dentro do prazo. Ora, este é um problema que poderia muito bem ter sido evitado, se não fosse o nefasto hábito do “recesso branco” das festas juninas, em que parlamentares simplesmente abandonam suas obrigações em Brasília.

Ao mesmo tempo, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), causou preocupação ao tirar do limbo um projeto de lei que altera a legislação sobre abuso de autoridade. Um dos dispositivos do projeto, por exemplo, estabelece sanções em caso de cumprimento de mandados de busca e apreensão que ocorram de forma “vexatória”.

“Abuso”, todos sabemos, é a palavra que mais se ouve da boca de investigados pela Operação Lava Jato para descrever ações perfeitamente legais, mas que atingem a eles ou a colegas diletos. Ainda que o texto do projeto, em si, não tenha ligação direta com a Lava Jato – é de 2009, e foi elaborado após discussões que envolveram inclusive ministros do STF –, não surpreende que a primeira reação seja a de associar a decisão de Calheiros aos apuros dos políticos envolvidos com o petrolão.

Por isso, a melhor atitude quando se trata de leis que lidam com o combate à corrupção é a de examinar com lupa as medidas propostas e separar o joio do trigo, evitar ambiguidades ou expressões intencionalmente vagas – nesta época de “microagressões”, quem garante que o conceito de “vexatório” não será alargado indevidamente? –, em busca de um texto que seja purgado daqueles dispositivos desenhados para perpetuar a impunidade e mantenha aqueles que primam pelo respeito às garantias individuais. O Brasil quer justiça, mas não pode aceitar justiceiros.

O esforço essencial que deve ser feito é o de evitar no Brasil o que aconteceu na Itália após o desfecho da Operação Mãos Limpas. Os parlamentares italianos que escaparam ilesos do escândalo de corrupção se apressaram em aprovar leis que dificultaram investigações e em denegrir os méritos da operação. Aqui, a Lava Jato continua em curso, mas vão se acumulando indícios de que o Congresso Nacional está mais propenso a afrouxar controles que a embarcar na pauta do combate à corrupção.

É uma pena. O país e a sociedade não podem perder a chance de aproveitar a janela de oportunidade aberta com a Lava Jato.

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