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Em portunhol fluente e impecável, João Pedro Stédile, um dos líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), falou, no último dia 5, para uma multidão de venezuelanos que, em Caracas, havia sido convocada para recordar o neocaudilho Hugo Chávez no segundo aniversário de sua morte. Stédile, segundo o próprio, falava “em nome do povo brasileiro”, quem sabe convicto de que, sim, ele representava o país. De fato, coleciona razões para pensar e agir assim: poucos dias antes, fora convocado pelo ex-presidente Lula – outro grande admirador do legado de Chávez – para comandar o seu “exército” e combater nas ruas os críticos da Petrobras e as “elites brancas e ricas”.

Pois no mesmíssimo dia em que Stédile cantava louvores a Hugo Chávez em Caracas, seu “exército” entrava em ação no Brasil. Com a espantosa aquiescência do governo, que nada faz para contê-lo, o MST vem sendo protagonista de atos e posturas que claramente atentam contra a democracia e as leis – e também contra o bom senso, na medida em que vão de encontro ao desenvolvimento científico e tecnológico. Exemplo deste comportamento destrutivo foi a invasão, no dia 5, de um campo experimental de eucaliptos em Itapetininga (SP). O ato pôs abaixo pelo menos uma década de pesquisa florestal.

Os caminhoneiros sentiram o braço da lei. Já os sem-terra sentiram os afagos de Dilma Rousseff

Horas depois dessa agressão, cerca de 300 militantes do MST interromperam uma reunião da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em Brasília, agendada para deliberar sobre a aprovação de uma variedade de eucalipto transgênico desenvolvida em laboratórios de uma indústria de papel e celulose. Seu objetivo não era argumentar; a intenção era simplesmente suprimir o debate com o uso da força. A tal “Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Camponesas” iniciada com a ação em Itapetininga seguiu adiante: também teve (e tem) invasões de terras, agências bancárias e órgãos do poder público, além de bloqueios em estradas e praças de pedágio, inclusive no Paraná.

Para enfrentar todo esse caos, não se viu a Força Nacional de Segurança, nem foram aplicadas grandes multas – para citar duas medidas tomadas pelo governo durante a recente greve dos caminhoneiros. Por mais que tenhamos restrições, expressas neste espaço dias atrás, à maneira como a paralisação foi conduzida, não podemos deixar de denunciar a gritante diferença de tratamento num e noutro caso. Os caminhoneiros sentiram o braço da lei. Já os sem-terra sentiram os afagos de Dilma Rousseff, que chamou militantes para serem convidadas de honra na cerimônia de sanção da lei do feminicídio, na segunda-feira. No dia seguinte, o MST e outros movimentos ainda foram recebidos pelo ministro da Previdência, Carlos Eduardo Gabas, que subiu em carro de som para dialogar com os manifestantes.

Não chega a ser surpreendente, pois em fevereiro do ano passado o MST havia promovido baderna na Praça dos Três Poderes, causando a interrupção de uma sessão do Supremo Tribunal Federal e ferindo 30 policiais com paus, pedras do piso da praça e martelos. A recompensa foi a garantia, por meio do então ministro Gilberto Carvalho, de que os sem-terra seriam recebidos por Dilma, o que efetivamente ocorreu. Sinal de que a presidente tem consciência da dívida que o PT tem com uma milícia responsável por atos de vandalismo, de destruição de laboratórios e campos de pesquisa, de desrespeito às leis e ao Estado Democrático de Direito. Práticas, aliás, muito parecidas com as dos black blocs urbanos que se infiltraram nas manifestações populares de 2013 para quebrar vitrines de lojas e agências bancárias, e com os quais Carvalho também demonstrou a intenção de negociar – um gesto que empresta caráter de legalidade a movimentos diametralmente opostos aos valores democráticos cuja defesa deveria ser um compromisso inalienável dos que estão à frente do Estado brasileiro.

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