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 | Rogerio Machado/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Rogerio Machado/Arquivo Gazeta do Povo

A busca por espaços e por influência faz parte da própria natureza da atividade política, entendida em sua forma mais ampla, como a discussão sobre os rumos da pólis. Grupos mais diversos, unidos pela promoção do bem comum, ou aqueles identificados com determinadas posições ideológicas ou causas específicas, e também os partidos políticos, todos têm o direito de levar suas propostas ao crivo da sociedade ou daquela parcela da população a quem eles pretendem se dirigir. A tentativa de ocupar determinado espaço é legítima, e não se pode confundi-la com sua distorção, o aparelhamento, em que um grupo preenche todas as estruturas de uma instituição, de forma que ela já não serve à coletividade, mas ao grupo dominante.

Essa legítima disputa por espaço se dá não apenas no momento das eleições, em que se disputa o direito de governar ou legislar para todo um espaço – município, estado ou nação –, mas também dentro das instituições representativas da sociedade civil, como as entidades de classe. E o Paraná está diante de um exemplo bastante significativo dessa dinâmica na disputa pelos postos de comando da seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR). Contrapondo-se à chapa XI de Agosto, da situação, um grupo de advogados lançou a chapa Algo Novo na OAB. Os candidatos à presidência e diretoria, bem como seus apoiadores, têm em comum uma orientação ideológica mais homogênea, que se reflete nos dados de filiação partidária de vários de seus integrantes.

E aqui surge a primeira exigência natural quando um grupo disputa espaços de comando na sociedade. Se no caso das eleições a transparência é mais evidente, pois cada candidato precisa ser filiado a um partido, cujas ideias são mais facilmente conhecíveis, nem sempre essa transparência ocorre de forma tão simples em outros casos. A sociedade tem o direito de conhecer as opiniões e lealdades daqueles que buscam posições de liderança, seja um cargo no Executivo, no Legislativo ou em entidades representativas da sociedade civil. No caso da eleição da OAB-PR, por exemplo, uma informação relevante é a de que nada menos do que 19 integrantes da chapa Algo Novo têm filiação partidária, majoritariamente de esquerda, contra quatro da XI de Agosto, em que a distribuição é mais equânime entre diferentes correntes políticas.

O Paraná e o Brasil precisam de uma OAB que represente a esperança de todos os cidadãos cansados da corrupção

Isso, por si só, não deslegitima ou inviabiliza nenhuma candidatura ou chapa; seria descabido colocar a filiação partidária como um óbice a postulantes a posições como o comando de uma entidade de classe – isso significaria estabelecer uma desconfiança a priori, o que seria uma injustiça. No entanto, essa informação é importante, pois é um dos elementos que os eleitores – no caso, os advogados – podem considerar relevantes ao escolher por quem desejam ser liderados pelos próximos anos.

O advogado Manoel Caetano Ferreira Filho, que encabeça a chapa Algo Novo e atualmente é membro da defesa do ex-presidente Lula, considera um “desrespeito” a “acusação infundada” de que a chapa, se vencesse, promoveria uma partidarização da ação da OAB-PR. Até o momento, realmente não há razão para vislumbrar que uma entidade importante da sociedade civil acabe rebaixada a mera servidora de partidos ou personalidades políticas. Mas a preocupação com a predominância de um partido político ou corrente ideológica entre os membros da chapa não tem nada de desrespeitoso; esse fato não deixa de ser um indicador de como a OAB-PR passaria a agir e se posicionar, caso essas pessoas vençam a eleição.

E os integrantes da chapa têm defendido posições que deveriam, se nos permitem o termo, arrepiar não apenas os advogados que votarão na eleição do próximo dia 22, mas qualquer cidadão preocupado com o combate à corrupção e com a lisura da política no Brasil. Diversos membros da chapa Algo Novo, por exemplo, incluindo o próprio candidato à presidência da entidade, protagonizaram um ato na UFPR que, no fim, significou o uso do espaço público para manifestar apoio à então presidente Dilma Rousseff, contra o processo de impeachment que corria no Congresso Nacional. A Carta de Curitiba em Defesa da Democracia, divulgada na ocasião, fazia sérias críticas à Operação Lava Jato, cujo modus operandi consistiria em “fatos absolutamente incompatíveis com as garantias do Estado Democrático de Direito”, como “decisões proferidas por juízes manifestamente parciais”, insinuando a existência de um “Estado policial” no país – uma repetição de slogans que nasceram dentro de ambientes partidários, e uma manifestação clara de desprezo às instituições democráticas plenamente em funcionamento.

Leia também: Lava Jato sem excessos (editorial de 17 de setembro de 2016)

Leia também: O Paraná que ainda queremos (artigo de José Lucio Glomb, publicado em 9 de setembro de 2018)

Como se isso não bastasse, integrantes da chapa deixam claro que aderem ao “Lula livre”, isso quando não dão vazão à intolerância pura e simples, caso de Rosemery Brenner Dessotti, candidata ao cargo de secretária-geral adjunta da OAB-PR, que lamentou o fato de o atentado contra a vida de Jair Bolsonaro, em setembro, ter sido cometido com uma faca, e não com “uma rajada de metralhadora”.

Um trabalho de décadas levou a OAB, no Paraná e em todo o Brasil, a se estabelecer como uma das entidades mais respeitadas da sociedade civil, com uma atuação que transcende seu objetivo imediato – a defesa da carreira do advogado – para se tornar referência em diversos outros temas. Ao longo desses anos, a entidade assumiu, sim, várias posturas políticas, mas o fez guiada não por preferências partidárias, e sim pela defesa da Constituição e da moralidade no trato da coisa pública. Foi assim, por exemplo, quando o Conselho Nacional da OAB defendeu os impeachments de Fernando Collor e Dilma, ou quando a OAB-PR encabeçou o movimento “O Paraná que Queremos”, na esteira da divulgação do escândalo dos Diários Secretos.

Como afirmamos, é perfeitamente legítimo que os integrantes da chapa Algo Novo, com suas ligações partidárias e suas opiniões a respeito do cenário político nacional e da atuação da Justiça, pleiteiem o comando da OAB. Mas, por tudo o que seus integrantes defendem, podemos dizer que sua vitória ameaçaria todo esse patrimônio moral conquistado a duras penas. O Paraná e o Brasil precisam de uma OAB que represente a esperança de todos os cidadãos cansados da corrupção. No entanto, quando tantos membros da chapa de oposição se posicionam de forma tão veemente em defesa de corruptos condenados, ou de forma contrária a uma das raras chances que o Brasil tem de fazer a justiça valer para todos, não vemos como a vitória desse grupo poderia levar à concretização de tal esperança.

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