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A Presidência da República e o Congresso Nacional escreveram, na madrugada de ontem, o obituário da Lei de Responsabilidade Fiscal. Trata-se do PLN 36/2014, que, na prática, libera o Executivo federal de qualquer compromisso com o superávit primário, a economia que o governo precisa fazer antes de pagar os juros de sua dívida. Ficou faltando apenas a votação de um destaque que em nada afeta a manobra fiscal levada a cabo com sucesso por Dilma Rousseff e sua base aliada, que sepultaram qualquer possibilidade de que os governantes, atuais e futuros, se sintam pressionados a cumprir um requisito básico de uma boa administração: gastar menos do que se arrecada.

A proposta original da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) era a de um superávit primário de R$ 116,1 bilhões. No entanto, o governo já tinha conseguido autorização para abater até R$ 67 bilhões correspondentes a gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e perda de receita com desonerações, ou seja, o superávit primário poderia ser de pelo menos R$ 49,1 bilhões. No entanto, nem isso o governo conseguiria cumprir em 2014 – até setembro, o Tesouro Nacional tinha déficit primário de R$ 15,7 bilhões no ano.

As consequências do rombo não eram apenas econômicas, mas também – e talvez principalmente – políticas. A Lei de Responsabilidade Fiscal diz que a LDO incluirá "anexo de metas fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes". A Lei 1.079/1950, que define os crimes de responsabilidade, inclui o de "infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária". E o artigo 85 da Constituição Federal diz que "São crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...) VI – a lei orçamentária". Ou seja, o descumprimento da meta colocaria Dilma na situação de cometer crime de responsabilidade, o que poderia levar até mesmo a um processo de impeachment.

O que o Planalto quis com o PLN 36/2014 foi simplesmente acabar com o limite de abatimento: todos os gastos do PAC e os valores não arrecadados com desonerações serão abatidos da meta sem que o governo descumpra regra orçamentária nenhuma, livrando Dilma das consequências políticas. O relator Romero Jucá (PMDB-RR) chegou a trocar a expressão "meta de superávit" por "meta de resultado", já que não se sabe ao certo se o governo terá algum superávit primário em 2014.

O governo tentou, sem sucesso, conseguir a aprovação do PLN 36 em ocasiões anteriores, com direito a espetáculos deprimentes nas sessões da Comissão Mista de Orçamento – uma delas teve de ser anulada, de tanto que se atropelou o regimento para fazer passar o projeto –, a uma sessão de apreciação-relâmpago de vetos presidenciais em que alguns parlamentares foram flagrados com cédulas previamente preenchidas por assessores para "acelerar o processo", a briga entre seguranças do Congresso e manifestantes contrários ao projeto e, finalmente, à sessão de quarta, com galerias vazias por ordem de Renan Calheiros.

O desespero do governo era tanto que o Planalto escancarou o balcão de negócios por meio do Decreto 8.367/2014, assinado por Dilma Rousseff em 28 de novembro e que aumenta em R$ 444 milhões a verba liberada para emendas parlamentares e obras e investimentos nos redutos dos congressistas. O artigo 4.º do decreto não poderia ser mais explícito: "A distribuição e a utilização do valor da ampliação a que se referem os arts. 1.º e 2.º deste Decreto ficam condicionadas à publicação da lei resultante da aprovação do PLN n.º 36, de 2014 – CN, em tramitação no Congresso Nacional". O texto até previa o que ocorreria se a votação não saísse como espera o Planalto: "Não aprovado o PLN de que trata o caput, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e o Ministério da Fazenda elaborarão novo relatório de receitas e despesas e encaminharão nova proposta de decreto". Já não há escrúpulos nem sequer para esconder o toma-lá-dá-cá.

A Lei de Responsabilidade Fiscal foi um marco na gestão pública brasileira, uma "herança bendita" da gestão FHC (e à qual o PT se opôs, quando de sua apreciação no Congresso). Ao obrigar políticos, governadores e presidentes a administrar bem os recursos do contribuinte, a LRF foi um dos fatores que ajudaram o Brasil a passar com poucos arranhões pelo tsunami da crise internacional de anos atrás. Mas, ao transformar orçamentos em peças de ficção, o governo e a base aliada desmoralizam o esforço fiscal e abrem as portas para se retornar ao tempo em que se gastava sem freios, uma sentença de morte para a credibilidade do país e para o equilíbrio da economia.

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