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Termina no próximo mês de maio o prazo para a instalação da Comissão da Verdade – organismo criado por lei para esclarecer os tristes acontecimentos que permearam o embate entre o regime militar (1964-1985) e as forças de resistência contra a ditadura. Mortes, tortura, desaparecimentos, luta armada, cassação de mandatos, confiscos de bens, cerceamento das liberdades de reunião, pensamento e expressão – tudo isso e muito mais compuseram a História brasileira ao longo de 21 anos – os "anos de chumbo", conforme, figurativa mas apropriadamente, passou a ser designado tal período.

Mas é para o mês de março, dois meses antes da instalação da Comissão, que se espera que a presidente Dilma Rousseff nomeie seus sete membros (e mais 14 assessores). Portanto, estamos perto de conhecer o quão isenta será a composição do grupo, de tal modo que tenhamos a garantia de um resgate amplo e profundo da História mas, ao mesmo tempo, que não vejamos o estabelecimento, na prática, de uma "comissão da vingança" que venha a pôr em risco o penoso caminho de reconstrução pacífica da democracia que o Brasil empreendeu com sucesso desde a edição da Lei da Anistia, em 1979.

Excessos inomináveis, crimes hediondos foram certamente cometidos pelos poderosos de então, mas de tal comportamento também não podem ser considerados inocentes muitos do que lutaram na trincheira oposta. Daí, a virtude principal da Lei da Anistia como instrumento de pacificação, pois que, ao tornar esquecidos os crimes de um lado, também os tornou impunes os do outro, de modo "amplo, geral e irrestrito". Foi exatamente essa qualidade da nossa lei de anistia que permitiu que, a partir de então, participássemos todos do processo que, por duas vezes consecutivas, vejamos ocupando a Presidência da República vítimas daquele período – Lula e Dilma Rousseff.

É preciso conhecer o passado para não cometer os mesmos erros no futuro. Assim, cabe à Comissão da Verdade fazer o que seu nome diz, isto é, buscar a verdade. Levantar o véu que encobriu os crimes cometidos, identificar vítimas e algozes, esclarecer os fatos e suas motivações, interpretar as causas e consequências, devolver às famílias o direito inalienável de sepultar e reverenciar seus mortos – enfim, cabe-lhe recompor com clareza e precisão o período-parte da História de 500 anos da nação.

Porém, querer transformar tal trabalho histórico em método de regressão a um estado anterior à Lei da Anistia é – para dizer o mínimo –, além de inconstitucional, uma atitude de provocação extemporânea e perigosa à paz e ao bom futuro político, democrático, justo, juridicamente seguro, pelo qual ainda lutamos. Ainda pouco antes do carnaval já pudemos presenciar a reação de setores militares diante de simples manifestações de ministros recém-empossados que, em seus discursos, lembraram de suas participações na luta armada e dos sofrimentos que lhes foram impostos pelo regime – o que prova a imprudência daqueles que consideram ainda passíveis de punição autores de crimes cometidos em nome do regime militar.

O Brasil é dos poucos países do mundo que, tendo experimentado períodos tão tenebrosos quanto as duas décadas de ditadura que vivemos, souberam suplantar suas diferenças e colocá-las no conduto civilizado da disputa democrática. Trata-se de um valor que a Comissão da Verdade tem o dever de preservar.

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