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| Foto: Brendan Smialowski/AFP

A “guerra à imprensa” declarada por Donald Trump logo após sua posse, em janeiro, teve mais uma batalha em que a maior vítima foi a liberdade de imprensa. Na sexta-feira, em uma ação sem precedentes, a Casa Branca impediu que jornalistas do New York Times, do Los Angeles Times, dos sites BuzzFeed e Politico, além da rede de televisão CNN, participassem de uma reunião com o porta-voz Sean Spicer. Apenas veículos de comunicação e sites considerados “neutros” ou amigáveis ao governo Trump, como Fox News e Breitbart, foram aceitos. Os repórteres da revista Time e da agência Associated Press estavam credenciados, mas optaram por não participar do evento, em solidariedade aos colegas barrados.

O evento desta sexta-feira é conhecido no jargão jornalístico norte-americano como “gaggle”. Não envolve gravação com câmeras de televisão e tem um caráter menos formal que uma entrevista coletiva; é mais uma conversa com o porta-voz sobre assuntos relativos ao governo federal e à agenda do presidente, e não ocorre apenas na Casa Branca – gaggles são comuns no Air Force One durante viagens oficiais do presidente dos Estados Unidos. O fato de as gaggles serem um evento “menor”, no entanto, não pode servir de desculpa para a exclusão de determinados veículos de imprensa que são parte tradicional do pool de empresas jornalísticas que cobrem a Casa Branca, especialmente quando se sabe que o critério para o veto parece ser única e exclusivamente o tom adotado na cobertura do governo Trump.

Escolher que veículos participam da “gaggle” pelo critério da simpatia ao governo é ignorar o princípio da impessoalidade

Como afirmou o editor-executivo do New York Times, “o livre acesso da mídia a um governo transparente é, obviamente, algo de profundo interesse nacional”. Eis a chave para se compreender a gravidade desta decisão da equipe de Trump: não estamos falando de um ente privado, que estaria em seu direito de escolher para quem falar, e sim do poder público, de um presidente que, depois de uma campanha polarizante, prometeu governar para todos os americanos. Escolher a dedo que veículos participam da gaggle pelo critério da simpatia ou antipatia ao governo, desprezando jornais que falam a milhões de americanos em detrimento de sites de alcance muito menor, é ignorar o princípio da impessoalidade.

Não é segredo para ninguém que vários veículos de comunicação norte-americanos apoiaram Hillary Clinton e, depois da vitória de Trump, adotaram um tom bem mais crítico em relação ao novo presidente em comparação com sua cobertura dos oito anos de Barack Obama. É verdade, também, que jornais e redes de televisão cometeram, ocasionalmente, erros factuais em matéria sobre o governo Trump. Mas, em vez de desmentir os equívocos, o presidente norte-americano partiu para uma estratégia de demonização da imprensa que faz lembrar os piores momentos de um certo ex-presidente brasileiro que também não aceitava ser alvo de críticas e realizava “entrevistas coletivas” das quais só participavam blogueiros que lhe eram simpáticos.

A defesa da liberdade de imprensa e a multiplicidade de veículos de comunicação das mais diversas posições políticas, defendendo o governo ou fazendo-lhe oposição, estão entre os aspectos mais fascinantes da democracia norte-americana. Mas essa grandeza escapa a Donald Trump, interessado apenas em uma cobertura favorável em sua missão de “tornar a América grandiosa novamente”. Ora, parte dessa grandiosidade está justamente na defesa intransigente dessas liberdades. Ao dificultar o acesso de veículos “hostis” às informações da Casa Branca, o governo Trump desmente o seu slogan de campanha e aproxima os Estados Unidos, pelo menos neste aspecto, de regimes mais conhecidos pelo desrespeito não apenas à imprensa livre, mas ao cidadão em geral.

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