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Operação da Polícia Civil na comunidade do Jacarezinho, no Rio, nesta quinta-feira (6), terminou com 28 mortos.
Operação da Polícia Civil na comunidade do Jacarezinho, no Rio, nesta quinta-feira (6).| Foto: Reginaldo Pimenta/Estadão Conteúdo

A ação da Polícia Civil do Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho no Jacarezinho, que terminou com 28 mortos, sendo um deles um policial alvejado na cabeça, gerou uma repercussão mais que esperada: muito antes que sejam esclarecidas todas as circunstâncias em que se desenrolou a operação, entidades de direitos humanos, políticos de esquerda, comunidade acadêmica e boa parte da imprensa já escolheram seu lado e estão promovendo a demonização unânime e precipitada dos policiais. O veredito está evidente na escolha do palavreado usado para descrever a ação, e termos como “chacina” ou “massacre” são usados livremente. O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, ordenou ao procurador-geral da República que abra uma investigação sobre a conduta dos agentes da lei, aparentemente deixando de lado a conduta do outro lado, o dos criminosos.

Enquanto não surgem informações mais detalhadas sobre a operação e as circunstâncias de cada morte, a prudência recomenda não se juntar a nenhum dos coros – nem dos que condenam, nem dos que absolvem antecipadamente. É fundamental esperar o resultado das investigações, e de fato há muito a averiguar antes de se tirar conclusões definitivas. Mas isso não impede que, independentemente do episódio específico do Jacarezinho, seja possível fazer uma série de considerações a respeito da enorme crise de segurança pública em que o Rio de Janeiro vive mergulhado há muitos anos.

Sem a polícia no encalço dos traficantes, os “donos” de cada favela continuarão a se fortalecer, adquirindo armamento que as forças regulares apenas sonham em ter e tornando-se cada vez mais ousadas

“O poder não aceita o vácuo”, diz o adágio. Se o Estado não se faz presente nas favelas cariocas, tanto por meio de políticas públicas bem planejadas e da oferta de serviços de qualidade quanto por meio da manutenção da ordem, outros ocuparão o espaço. É justamente o que o tráfico e as milícias têm feito com maestria. E, uma vez estabelecido este poder paralelo, é dever do Estado combatê-lo para restabelecer o império da lei. No entanto, há autoridades irresponsáveis que impedem o poder público de cumprir essa missão; foi o caso do governador Leonel Brizola, o pai do moderno caos carioca, que impediu a polícia de subir os morros na década de 80 do século passado, e, mais recentemente, de nove ministros do Supremo Tribunal Federal, que em agosto de 2020 confirmaram liminar de Fachin que impedia operações policiais em favelas a não ser em “hipóteses absolutamente excepcionais”.

Sem a polícia no encalço dos traficantes, o resultado é bastante óbvio: a não ser que precisem disputar espaço e poder com outras facções criminosas ou milícias, os “donos” de cada favela continuarão a se fortalecer, adquirindo armamento que as forças regulares apenas sonham em ter – o que se verifica pelas apreensões realizadas na operação de quinta-feira – e tornando-se cada vez mais ousadas. A investigação que levou à operação do Jacarezinho descobriu que o Comando Vermelho aliciava crianças e adolescentes para o tráfico e um de seus membros era responsável por esquartejar e sumir com os corpos de moradores que caíssem em desgraça aos olhos do grupo criminoso.

São justamente os moradores das favelas dominadas pelo tráfico as maiores vítimas deste estado de coisas. As comunidades densamente povoadas são um esconderijo conveniente para as facções criminosas, pois são celeiro fértil de vítimas inocentes da troca de tiros entre policiais e bandidos. E o medo impede qualquer reação ou denúncia da população pobre, a maioria que deseja apenas trabalhar honestamente e viver em paz. Que pai de família se sente confortável em ver um filho ser aliciado por traficantes? Mas que pai de família terá coragem para se levantar contra os aliciadores, se isso representar morte certa? É ilusório acreditar que as facções criminosas ou milícias que dominam os morros cariocas sejam estimadas pelos demais moradores; o silêncio e a conivência são mero fruto do temor.

O poder de fogo adquirido pelas facções criminosas e milícias cariocas encasteladas nos morros transforma qualquer operação policial em verdadeira ação de guerra, e o fato de tais operações se desenvolverem em áreas hiperpopulosas cria as condições para a catástrofe que também vitima inocentes. Ninguém nega a necessidade de melhor treinamento, equipamento e até remuneração para os policiais; ninguém exclui a possibilidade de excessos cometidos por forças de segurança mal treinadas. Mas, independentemente das circunstâncias concretas dos acontecimentos de Jacarezinho, ignorar o reino de terror instaurado pelo crime nas comunidades cariocas é, na mais benigna das hipóteses, uma demonstração de ingenuidade que apenas atrapalha o bom e necessário combate à criminalidade.

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