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Está prevista para continuar nesta quinta-feira, dia 20, a discussão no Supremo Tribunal Federal sobre a descriminalização do porte de drogas para uso próprio. Na sessão de quarta-feira, falaram os advogados das partes e representantes de diversas entidades da sociedade civil, favoráveis e contrárias à descriminalização. Após uma pausa, no fim da tarde, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, deu ao relator do processo, ministro Gilmar Mendes, a opção de ler seu voto naquele momento ou fazê-lo nesta quinta. Mendes escolheu a segunda alternativa.

O Supremo foi provocado a se pronunciar pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo. O órgão representa um mecânico que, ao assumir ser dono de três gramas de maconha encontradas em sua cela na cadeia onde já estava preso, foi condenado a dois meses de prestação de serviços comunitários, sentença mantida na segunda instância. A Defensoria questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/2006), segundo o qual é crime “adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Hoje, quem é flagrado com drogas para uso pessoal já não vai preso; as penas consistem em “I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.

Não é preciso pesquisar muito para compreender o potencial explosivo que a descriminalização do porte de drogas teria sobre a sociedade

A Defensoria paulista alega que a criminalização do porte de drogas contraria o princípio constitucional do direito à intimidade; além disso, ele não pode ser crime por não constituir dano aos demais indivíduos. Se essa argumentação for bem sucedida e o STF declarar inconstitucional esse artigo da Lei de Drogas, as consequências serão drásticas. O porte de drogas deixará de ser crime, tornando-se perfeitamente legal. E isso não apenas no caso da maconha (droga cuja posse motivou a ação que chegou ao Supremo), considerada mais leve: a legalização se estenderia ao porte de absolutamente qualquer droga, inclusive as mais pesadas, as mais viciantes e as que mais destroem seu usuário.

Os efeitos deletérios das drogas sobre o organismo humano já estão fartamente documentados, desde o caso da maconha até os de drogas como o crack, que viciam rapidamente e transformam seus usuários em seres praticamente desprovidos do livre arbítrio. Não é preciso pesquisar muito para compreender o potencial explosivo que essa descriminalização do porte de drogas teria sobre a sociedade: aqueles que lutam para abandonar o vício em clínicas de recuperação podem contar histórias de sofrimento imposto aos familiares, crimes cometidos e degradação pessoal, como o recurso à prostituição, para sustentar a dependência. Não é à toa que os presidentes do Conselho Federal de Medicina, da Associação Médica Brasileira, da Federação Nacional dos Médicos e da Associação Brasileira de Psiquiatria assinaram nota conjunta contra a possível descriminalização do porte de drogas.

Mesmo o argumento que se baseia no princípio da intimidade não se sustenta. Como lembrou na sessão de quarta-feira o advogado Davi Azevedo, falando em nome da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina e da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, o Estado legisla de várias maneiras sobre a autonomia privada; um exemplo típico é a exigência de uso de equipamentos como capacete e cinto de segurança, como meio de evitar lesões graves ou fatais em caso de acidente de trânsito.

Não faz sentido algum colocar o dependente de drogas numa prisão: ele necessita de tratamento e reinserção social. Mas isso a lei atual já prevê, mesmo tratando o porte de drogas como crime. O que está em jogo no Supremo é a mensagem que o Estado, por meio da legislação, envia à sociedade. Ao declarar que certo ato ou comportamento é criminoso, o poder público afirma que essa ação tem consequências negativas não apenas para a sociedade como um todo, mas também para o indivíduo. É verdade que não poucas vezes o Estado abusa deste poder, o que levou ao surgimento da expressão “Estado-babá”. Mas o abuso não tolhe o uso. Descriminalizar o porte de drogas equivale a tratar essas substâncias como aceitáveis – apesar do comprovado dano que elas causam.

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