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| Foto: Gerson Klaina/Gazeta do Povo/Gerson Klaina/Gazeta do Povo

O quarto dia da greve dos caminhoneiros e a sensação de que o país está à beira do colapso são uma lição para todos os brasileiros. Não há dúvidas de que estamos diante de uma situação social grave, com risco de desabastecimento de bens essenciais, até mesmo de oxigênio nos hospitais. Não se nega o aumento dos preços dos combustíveis, puxados pela cotação internacional, nem as complicações que a atual política de preços da Petrobras pode trazer para o frete de um mercado fortemente onerado como o do transporte rodoviário. Conforme o impasse se arrasta e as consequências sociais vão ficando mais graves, começa a prevalecer a sensação de que um acordo deve ser alcançado a qualquer custo, mas isso não torna menos verdade que uma revisão da política de preços da Petrobras ou uma redução de impostos no atropelo, em meio à crise fiscal, são soluções ruins para o país no longo prazo.

Nossas convicções: Livre iniciativa

O cenário é bastante complexo. A política de reajustes quase diários da Petrobras, seguindo o mercado internacional, foi uma escolha que se revelou acertada para recuperar o caixa e a credibilidade da empresa, destruídos pela irresponsabilidade da herança lulopetista. O presidente da empresa, Pedro Parente, primeiro defendeu a política com unhas e dentes, mas ontem anunciou que reajustaria o preço na refinaria por 15 dias. Pode ter sido uma escolha estratégica diante de uma crise que escalou rapidamente, mas há custos para a credibilidade da empresa que já se sentem nas ações da companhia. O fantasma do controle de preços é preocupante também porque está na raiz de muitas das distorções do mercado de refino no Brasil: apesar de a Petrobras não ter mais esse monopólio desde 1997, os altos custos e a concorrência desleal do governo criam entraves à expansão de refinarias privadas. No limite, as contradições de uma empresa que não se decide entre proteger o consumidor brasileiro de choques na cotação internacional ou remunerar seus acionistas e investir em modernização deveriam trazer de volta a discussão sobre a necessidade de uma estatal do petróleo.

Estamos mais uma vez reforçando a tendência de sacrificar o futuro para garantir as gambiarras do presente

As reações da classe política também surpreendem. O movimento dos caminhoneiros é forte, parece contar com a simpatia da população, o governo federal está enfraquecido, sem nenhum capital político e cercado pelo clima de fim de feira. Em ano eleitoral, isso convidou o Legislativo às velhas soluções populistas, fiscalmente irresponsáveis e focadas no curto prazo. Se a proposta de zerar a Contribuição da Intervenção no Domínio Econômico (Cide) em meio à crise fiscal já era preocupante, a solução do Congresso Nacional de zerar o Pis/Cofins é ainda mais alarmante. Por mais que a Câmara tenha aprovado ontem o projeto de reoneração da folha de pagamento de 28 setores – que ainda depende de uma aprovação incerta pelo Senado –, Executivo e Legislativo se contradizem sobre o impacto da medida nas contas públicas, aumentando a pressão sobre uma perspectiva já assustadora de déficit público de R$ 159 bilhões para este ano. É surpreendente, ainda, lembrar que a falta de disposição do Congresso em aprovar medidas impopulares esteve na origem da decisão do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles de aumentar o Pis/Cofins. 

Opinião da Gazeta: Resistir às tentações (editorial de 23 de maio de 2018)

Qualquer que seja a solução encontrada, o país já terá perdido, pelos maus exemplos a que assistimos nesses dias: a tentação da irresponsabilidade fiscal, a impressão de que quem grita mais alto obtém benefícios às custas do restante da população – no longo prazo, as distorções do mercado aumentam o preço para todo mundo –, e o afastamento de uma opção de desenvolvimento para o país com mais liberdade econômica. Também sai perdendo nossa capacidade de planejamento: afinal, ninguém explica como as decisões aventadas agora lidam com os problemas que subjazem a toda a confusão. 

Os impostos federais têm impacto no preço do combustível, mas é o ICMS estadual que tem mais peso. Seja como for, não será possível reduzir impostos se não enxugarmos o Estado como um todo, revendo os gastos públicos. Além disso, as condições do mercado internacional, que já analisamos neste espaço, apontam para a manutenção da tendência de alta nos preços, o que pode recolocar o mesmo problema que estamos enfrentando daqui algumas semanas ou meses. O mais razoável seria esperar pelo novo equilíbrio – basta pensar que a alta dos preços permite que os Estados Unidos voltem a se inserir no mercado como produtores. Tampouco se pode esquecer a política de subsídios à compra de caminhões no governo Dilma Rousseff (PT), que tem responsabilidade na queda do preço do frete. Por fim, é preciso lembrar que essa crise seria bem menor se o Brasil não fosse tão dependente do modal rodoviário, o que nos convida a planejar melhor o desenvolvimento do país. 

Nada disso é solucionável com um passe de mágica, muito disso é consequência de decisões equivocadas do passado, mas uma classe política com visão de longo prazo aproveitaria o momento que estamos vivendo para destravar os gargalos estruturais do setor – infelizmente, não é isso que está ocorrendo. Também não há dúvidas de que cada crise é uma oportunidade para exercitarmos o protagonismo da sociedade civil e buscarmos soluções dialogadas. Se isso for feito dentro da lei e da convivência democrática, será positivo por si só. No entanto, da maneira como a solução parece estar se encaminhando, estamos mais uma vez reforçando a tendência de sacrificar o futuro para garantir as gambiarras do presente e de apelar para a força antes do convencimento. Que ao menos não nos esqueçamos disso no debate eleitoral deste ano.

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