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Santinhos de candidatos a vereador e prefeito de Curitiba espalhados diante de seção eleitoral.
Santinhos de candidatos a vereador e prefeito de Curitiba espalhados diante de seção eleitoral.| Foto: Daniel Castellano/Arquivo Gazeta do Povo

Nota da redação: O editorial foi atualizado às 15h22 de quinta-feira para acrescentar a informação de que um dos artigos da redação original do PL 11.021 acabou derrubado na votação dos destaques, ocorrida depois da publicação deste texto.

Em tempos de ajuste fiscal em que há cortes praticamente em todas as áreas – alguns mais questionáveis, é verdade, e outros mais óbvios e muito necessários –, e em que se sugere que o dinheiro das multas da Petrobras nos Estados Unidos seja usado para combater as queimadas na Amazônia, parece existir um único tipo de verba sagrada e intocável: o dinheiro destinado a partidos políticos e campanhas eleitorais. O acintoso fundo eleitoral, o tão sonhado “financiamento público de campanha” criado em 2017 pelo Congresso para compensar o fim das doações de pessoas jurídicas, será reajustado em 2020, significando que mais uma vez o contribuinte será forçado a ajudar partidos e candidatos com os quais não concorda e que pode até mesmo repudiar veementemente.

Mesmo que os partidos não ganhem os inaceitáveis R$ 3,7 bilhões propostos pelo relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, Cacá Leão (PP-BA), o aumento é certo. O governo federal, ao enviar o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), havia destinado R$ 2,5 bilhões ao fundo, mas um estudo do Partido Novo mostrou que o valor deveria ser de R$ 1,86 bilhão, aumento de 9% em comparação com o R$ 1,7 bilhão que o fundo teve em 2018. Alegando um “erro de cálculo”, o governo fez uma correção.

Partidos e candidatos devem contar apenas com o apoio de seus filiados e daqueles que acreditam em suas plataformas e ideário, a ponto de contribuírem voluntariamente

Mas esta é uma discussão em que os números pouco importam. A imoralidade do fundo eleitoral – para não falar de sua constitucionalidade, questionada no Supremo Tribunal Federal desde 2017, mas sem data para julgamento – é evidente e independe do cenário econômico do país. Ainda que o Brasil estivesse na melhor das fases em termos de saúde fiscal e indicadores econômicos (o que não é o caso, tornando o fundo eleitoral ainda mais acintoso), seria inaceitável que o dinheiro do contribuinte fosse usado para financiar indiscriminadamente partidos políticos e campanhas de seus candidatos. Eles devem contar apenas com o apoio de seus filiados e daqueles que acreditam em suas plataformas e ideário, a ponto de contribuírem voluntariamente para a legenda ou para o candidato. O mesmo raciocínio, aliás, que poderia ser aplicado ao Fundo Partidário, menor e mais antigo que o megafundo eleitoral.

O apego dos políticos e dos partidos ao dinheiro público, no entanto, não se resumiu ao aumento no fundo eleitoral. A Câmara ainda aprovou o substitutivo do deputado Wilson Santiago (PTB-PB) ao Projeto de Lei 11.021/18, que altera a Lei dos Partidos Políticos (9.096/95) e a Lei de Eleições (9.504/97). Partidos diametralmente opostos no espectro ideológico, como o Novo e o PSol, tentaram tirá-lo de pauta, ou pelo menos conseguir a votação artigo por artigo, mas foram derrotados. Assim, por 263 votos a 144, os deputados aprovaram novos absurdos no uso do dinheiro dos fundos.

Um deles se refere ao destino dos valores que não forem usados pelo partido. Hoje, o artigo 16-C da Lei 9.504/97 diz que “os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha que não forem utilizados nas campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, no momento da apresentação da respectiva prestação de contas”. Mas o substitutivo de Santiago prevê que os valores “serão redistribuídos proporcionalmente aos demais partidos”. Ou seja, legendas como o Novo, que têm por princípio não usar verba pública para se sustentar, devolvendo esses valores para que o governo os use como achar melhor, acabariam bancando outros partidos, incluindo rivais ideológicos, se mantiverem sua postura sadia de abrir mão do dinheiro. Esse trecho, felizmente, acabou derrubado na votação dos destaques, ocorrida na noite de quarta-feira.

Outro alvo de muita controvérsia foi a adição de um trecho que permitirá às legendas usar dinheiro dos fundos “em processo judicial decorrente de defesa de interesses de candidato ou partido político”, o que o Novo chamou de “emenda Lula”, em referência ao ex-presidente e atual presidiário petista. De fato, a redação do texto, ao não fazer nenhum tipo de restrição, por exemplo permitindo o uso dessa verba apenas quando o processo judicial em questão tiver relação com a eleição – o que mesmo assim já seria muito questionável –, deixa brechas até mesmo para o pagamento de advogados de filiados que responderem a ações penais por crimes como corrupção, se for do “interesse” do partido político.

Tanto a PLOA quanto o PL 11.021/18 terão de passar pelo Senado. Ainda que os senadores façam as necessárias correções a ambos os textos, continuará evidente a vontade dos partidos e dos políticos de avançar sobre o dinheiro tirado do cidadão e do setor produtivo brasileiro por meio dos impostos. As campanhas baratas e bem-sucedidas de 2018, seja para o Executivo, seja para o Legislativo, não são “acidentes de percurso”, mas uma demonstração de que a democracia também funciona bem quando seus agentes tratam o contribuinte com respeito, preferindo que seu dinheiro seja usado nas verdadeiras prioridades nacionais.

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