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Os prejuízos da crise e o ônus da dúvida
| Foto: BigStock

A pandemia do coronavírus já vinha crescendo há alguns meses, sobretudo na China, antes de se alastrar pelo mundo em fevereiro e março deste ano. No Brasil, as infecções e as mortes pela Covid-19 se agravaram a partir da segunda quinzena de março, quando começaram as medidas de isolamento social e fechamento do comércio e serviços. A partir daí, a retração das atividades produtivas entrou em rota crescente. No início de abril, quando se aprofundou o fechamento de estabelecimentos industriais, de comércio, serviços empresariais, serviços pessoais, escolas e outras atividades, não se sabia até quando essa situação se prolongaria, com a permanência das pessoas em suas casas. Já no começo de maio, os dados do panorama eram a gravidade da retração econômica, o aumento do desemprego, a perda de renda de profissionais liberais, a redução ou o fim da receita das empresas e a brutal queda na produção nacional, configurando uma catástrofe econômica e o elevado sofrimento que estava por vir.

Terminado o primeiro semestre do ano, as estimativas mais realistas indicam que o Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 ficará entre 6,5% e 9% menor que o PIB de 2019, o desemprego, na melhor das hipóteses, sairá de 12 milhões sem ocupação em janeiro para 20 milhões no final de dezembro, o total de pessoas sem renda mais que dobrará e as empresas, praticamente de todos os setores, estarão debilitadas, com prejuízos, desequilíbrio financeiro, e a retomada da atividades, produção e vendas se apresentando como algo incerto. Se alguns setores empresariais não sofreram, eles constituem exceção restrita. Nem mesmo o setor público escapou ileso da brutal crise, em termos de arrecadação tributária, como demonstram as informações sobre receitas nos municípios, estados e União no último trimestre.

Há um grupo de pessoas que não foram prejudicadas, em termos de queda de renda e perda de emprego, que é o grupo dos servidores públicos, beneficiados por decisão do Supremo Tribunal Federal proibindo redução de seus salários, ainda que temporária, mesmo com o mundo desmoronando em uma gigantesca crise na saúde pública, na economia e no mercado de trabalho. Os prejuízos da crise são visíveis e imensos em sua magnitude, e a devastação econômica, sobretudo a perda de renda das famílias, somente não foi maior porque, conforme estudos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) usando dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (Pnad) Covid, do IBGE, o auxílio emergencial de R$ 600,00 do governo federal foi pago para 64,1 milhões de pessoas, em três parcelas mensais, às quais já foram adicionadas mais duas parcelas em andamento, revelando seu alto impacto social positivo.

No meio de tantos problemas e sacrifícios, há uma informação reconfortante. No mesmo estudo do Ibre-FGV, em maio passado havia 2,27 milhões de crianças abaixo da linha da pobreza, vivendo com menos de US$ 1,90 de renda domiciliar diária por pessoa. Embora seja um flagelo triste e lamentável, se fosse retirado o auxílio emergencial das famílias que o receberam, o número de crianças abaixo da linha de extrema pobreza saltaria para 7,9 milhões em maio, mesmo que continuassem recebendo o Bolsa Família. É um quadro de miséria que mostra o quanto o Brasil é pobre e desigual, e realça a enorme importância social e humanitária do auxílio emergencial. Esse dado é relevante, ao mesmo tempo em que cria um dilema: uma vez identificado o contingente de brasileiros em geral, e de crianças em particular, na condição de pobreza ou miséria profunda, fica a questão de como retirar o auxílio emergencial e colocar em seu lugar algum mecanismo que não permita a volta desses milhões de brasileiros ao patamar anterior de carência, miséria e sofrimento. É um drama que não pode ser ignorado pelo governo e pela sociedade, nem admitida sua continuação.

Como a receita tributária do governo federal caiu em função da recessão, o aumento de gasto público com a ajuda financeira dada à população levará a aumento da dívida pública e/ou emissão de moeda. Aí estão alguns prejuízos que a crise sanitária impôs, cujos contornos são dramáticos em si, agravados em razão das incertezas derivadas do desconhecimento e das dúvidas quanto ao momento em que ocorrerá um refluxo da pandemia e tornará possível o retorno das pessoas às ruas, ao trabalho, ao mercado e à vida normal. Para o funcionamento da economia, do mercado de trabalho e do mercado de bens e serviços, a dúvida e o desconhecimento de fatos com alto poder de impacto atua como causa de prejuízos, inibição de investimentos, desestímulos aos negócios e dificuldades de retomar o crescimento da produção, emprego e renda.

É nesse cenário de prejuízos já ocorridos, desconhecimento sobre os próximos meses e incertezas, que os trabalhadores, os empresários, o governo e os profissionais de serviços autônomos terão de fazer seus planos, imaginar o cenário das próximas semanas e meses, definir objetivos, metas, ações e meios necessários para a retomada de suas atividades e negócios. O desafio é grande.

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