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O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol.
O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Seis anos depois do início da Operação Lava Jato, o combate à corrupção no Brasil ficou mais fácil ou mais difícil? Esta é a pergunta que o coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba, Deltan Dallagnol; o superintendente da Polícia Federal no Paraná, Luciano Flores; e outros integrantes do MPF, da PF e da Receita Federal se propuseram a responder durante entrevista coletiva na terça-feira, dia 10. Ali, fizeram um diagnóstico preciso, mostrando a responsabilidade de cada ator em um lento processo de desmonte que imita a Itália do pós-Mãos Limpas, um perigo para o qual os membros da força-tarefa e o então juiz Sergio Moro já alertavam havia um bom tempo.

O copo meio cheio se vê no balanço destes seis anos de Lava Jato. As investigações do enorme atentado contra a democracia brasileira orquestrado pelo petismo, envolvendo vários outros partidos e as maiores empreiteiras do país, levaram a 500 pessoas acusadas, das quais 165 já foram condenadas a um total de 2.286 anos – várias dessas condenações já foram confirmadas em segunda e até terceira instâncias. Algumas das pessoas mais poderosas do Brasil foram parar atrás das grades (ainda que um ou outra tenha recuperado a liberdade depois), como o ex-governador Sérgio Cabral, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e, claro, o ex-presidente Lula. Os 185 acordos de colaboração e 14 acordos de leniência já recuperaram R$ 4 bilhões, e ainda há mais por vir, pois apenas os acordos de leniência geraram o compromisso de devolver R$ 14,3 bilhões. Números e nomes atestam a abrangência e a qualidade do trabalho da Lava Jato.

No entanto, os tempos recentes foram de retrocesso. Decisões do Supremo Tribunal Federal e leis aprovadas no Congresso Nacional infelizmente desfizeram um trabalho correto realizado nas instâncias inferiores da Justiça e dificultaram a realização de futuras investigações de esquemas de corrupção. Em julgamentos que envolveram diretamente acusados da Lava Jato, por exemplo, o STF anulou sentenças nos casos em que réus delatores e delatados entregaram suas alegações finais ao mesmo tempo, sem que tivesse havido desobediência alguma ao Código de Processo Penal, e tampouco prejuízo objetivo aos réus delatados. Além disso, determinou que processos envolvendo crimes de caixa dois sejam remetidos integralmente à Justiça Eleitoral, quando a jurisprudência e a prática até então determinavam a divisão, com crimes eleitorais (caso do caixa dois) sendo julgados pelos TREs e TSE, e os crimes comuns (como corrupção e lavagem de dinheiro) permanecendo na Justiça comum.

Ainda que a intenção que move ministros do Supremo e parlamentares não seja a de promover a impunidade, o resultado objetivo de suas ações é exatamente este

Dallagnol ainda citou a decisão que derrubou a prisão após a condenação em segunda instância – ainda que o julgamento não tenha ocorrido dentro do âmbito da Lava Jato, seus impactos sobre a operação são evidentes. E o STF ainda tem na mesa a possibilidade de desferir outro golpe mortal na operação, caso decida pela suspeição de Sergio Moro, com base em supostas conversas obtidas ilegalmente e cuja autenticidade continua sem confirmação.

No Congresso, os projetos de lei aprovados até podem, em alguns casos, se voltar contra ações passadas da Lava Jato, mas principalmente buscam criar empecilhos para futuras investigações e julgamentos. O caso mais evidente é o da Lei de Abuso de Autoridade, desenhada não apenas para permitir a retaliação de réus e investigados contra juízes e procuradores, mas também para incentivar uma espécie de “autocontenção”, com magistrados e membros dos órgãos de segurança e investigação pensando muitas vezes antes de tomar determinada atitude, graças à possibilidade de acabarem enquadrados na nova lei, que descreve de forma deliberadamente genérica os atos que constituiriam abuso de autoridade. O Congresso ainda desfigurou o pacote anticrime enviado pelo ministro Moro, retirando dele uma série de medidas que auxiliariam o combate à corrupção e incluindo dispositivos que restringem a atuação de juízes, especialmente nos casos de prisão preventiva. Nos dois casos, também perdeu-se uma oportunidade quando o presidente Jair Bolsonaro vetou alguns, mas não todos os trechos problemáticos – e, ainda assim, parte desses vetos também acabou derrubada pelo Congresso.

Confira a série especial de artigos publicados por Deltan Dallagnol na Gazeta do Povo:
O desmonte do combate à corrupção
Torniquetes que estancam a sangria causada pela delação premiada
O verdadeiro abuso dos juízes que combateram a corrupção
Juiz de garantias: garantia de quê?
A regra de que os réus delatados falem por último causa quanta demora e impunidade?
Como um precedente do STF derrubou o processo da refinaria que deu um prejuízo bilionário
Lava Jato: um quebra-cabeça sendo desmontado

Dallagnol e outros membros da Lava Jato sempre se preocuparam em ressaltar que sua crítica se dirigia a decisões e leis específicas, e não às instituições em geral. Isso não impediu que o coordenador da força-tarefa fosse alvo de uma perseguição injusta no Conselho Nacional do Ministério Público, com direito a uma advertência imposta pelo CNMP em novembro do ano passado. Afinal, ainda que a intenção que move ministros do Supremo e parlamentares não seja a de promover a impunidade, o resultado objetivo de suas ações é exatamente este. Congresso e Supremo não podem jamais estar imunes à crítica quando decidem ou legislam mal, e o fato de Dallagnol ser membro do MPF nunca poderia servir para tolher-lhe a liberdade de expressão que ele exerce ao se pronunciar sobre decisões que envolvem o combate à corrupção – pelo contrário: o fato de os membros da força-tarefa conhecerem tão por dentro o esquema que investigam e as dificuldades que enfrentam os coloca entre as pessoas mais qualificadas para fazer sua avaliação.

Os retrocessos, felizmente, não desanimam os integrantes da Lava Jato. O mesmo período em que decisões do STF e leis no Congresso dificultaram o combate à corrupção também viu o maior número de denúncias (29) e o terceiro maior número de fases nos seis anos de operação. Apesar das dificuldades, o trabalho da Lava Jato segue em frente, e quem ganha é o país.

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