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O TSE lançou no final de setembro um edital chamado Eleições do Futuro 2020.
Resultados de 2020 levaram pequenos partidos a se mexer para alterar lei eleitoral.| Foto: Aniele Nascimento/Arquivo/Gazeta do Povo

De forma nada surpreendente, partidos pequenos e médios que não tiveram um desempenho tão bom nas eleições municipais de 2020 já começam a se articular para desfazer o que a minirreforma eleitoral de 2017 trouxe em termos de avanços para o sistema partidário-eleitoral do país. A Emenda Constitucional 97 implantou uma forma bastante mitigada de cláusula de barreira e proibiu as coligações nas eleições proporcionais (para vereadores e deputados), vedação esta que começou a valer justamente nas eleições de 2020. Bastou uma única experiência para que os líderes dos partidos menores já começassem a contestar as regras e pensar em formas de retornar ao modelo antigo.

Lideranças partidárias ouvidas pela Gazeta do Povo falam na “extinção” de um terço dos atuais partidos após 2022 – não sem um certo exagero dramático, pois a cláusula de barreira estabelecida pela Emenda 97 não prevê o fim dos partidos que não atingirem o desempenho estabelecido no texto. De acordo com a minirreforma, tais partidos seguem existindo, mas perdem acesso aos bilionários fundos criados para abastecer partidos com dinheiro do cidadão, além de não ter direito a benesses como propaganda partidária em rádio e televisão fora do período eleitoral. Mesmo os parlamentares eleitos por essas legendas têm seu mandato assegurado, ao contrário do que ocorre em outros países. O que esses líderes estão dizendo, portanto, é que seus partidos não teriam como sobreviver a não ser pelos inúmeros favores bancados com dinheiro público a que têm direito simplesmente pelo fato de existirem.

Criar partidos no Brasil deveria ser algo extremamente fácil – mas eles teriam de ser bancados única e exclusivamente pelos filiados ou por quem compartilha de suas plataformas

Essa admissão, ainda que nada intencional, nos leva ao coração do problema do sistema partidário no Brasil. Diz-se que o Brasil tem partidos demais, quando a verdadeira questão é outra. Criar uma legenda no país é um processo extremamente complicado, que exige uma série de burocracias, incluindo um número enorme de assinaturas de eleitores; mas, uma vez superada essa barreira, mesmo o mais nanico dos partidos tinha – até a implantação da cláusula de barreira – direito a uma série de benefícios que independiam de seu apelo junto ao eleitorado. É isso que favorece o esforço por montar legendas de aluguel ou feudos de caciques partidários.

Essa lógica precisava ser radicalmente invertida. A formação de partidos deveria ser um processo muito mais simples. Se um grupo de cidadãos unidos por um determinado ideal – seja uma ideologia política, uma causa específica ou uma política identitária – acredita que o melhor meio de conseguir implantar sua plataforma é por meio da atuação direta na política partidária, com representantes eleitos, deveria ter o direito de montar seu partido, de forma tão simples como a constituição de uma empresa. Mas os partidos, dos mais aos menos expressivos, teriam de se manter única e exclusivamente com recursos e contribuições de seus filiados e dos que acreditam nas mesmas causas. A cláusula de barreira nem de longe resolve esse problema; continua a ser vergonhoso que as legendas, mesmo as maiores, sejam bancadas com recursos do contribuinte, que muitas vezes rejeita as plataformas defendidas por quem recebe seu dinheiro. Mas ao menos ela impede que partidos incapazes de conquistar uma parcela mínima do eleitorado continuem a se beneficiar desses valores.

O mesmo pode ser dito da proibição das coligações nas eleições proporcionais. O modelo anterior criava situações em que o voto de um eleitor com determinada posição política ajudava a eleger um candidato de orientação às vezes totalmente diferente, tão comuns eram as coligações sem a menor coesão ideológica. Agora, cada partido tem de demonstrar que seus próprios quadros e ideias têm apelo diante do eleitor, em vez de surfarem no prestígio de outros partidos ou candidatos.

Reconhecemos, no entanto, que há legendas pequenas com perfil marcadamente ideológico; não se trata de partidos de aluguel ou que giram em torno de um cacique. Durante a tramitação da PEC da minirreforma, levantou-se a possibilidade de permitir “federações” de partidos, que juntos poderiam superar a cláusula de barreira, mas que teriam de atuar ao longo de toda a legislatura de forma unificada, o que só seria possível se houvesse coesão ideológica entre os integrantes de tal federação. Esse modelo acabou descartado e não entrou na Emenda 97, mas seria uma alternativa ao menos merecedora de consideração, ao contrário das demais propostas que vêm sendo levantadas.

A Gazeta do Povo defende o voto distrital misto como o melhor sistema eleitoral para o Brasil. Ele torna campanhas mais baratas, aproxima eleitos de eleitores e, na sua dimensão mista, preserva a importância dos partidos e impede a sub-representação. Enquanto o país não adota este sistema, no entanto, o atual modelo proporcional pode e deve ser aperfeiçoado. A cláusula de barreira (que, é preciso lembrar, é bem mais amena no Brasil que em outras democracias maduras, como as europeias) e a proibição de coligações contribuem para esse aperfeiçoamento; faltaria, ainda, a facilitação para a criação de partidos e o fim das formas de financiamento público a legendas e campanhas eleitorais. Em vez de um avanço nesses temas, é preocupante ver movimentações para abolir as melhorias já conquistadas ou ressuscitar a ideia do “distritão”, que enfraqueceria os partidos, em vez de fortalecê-los.

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