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Impressão de cédulas na Casa da Moeda.
Impressão de cédulas na Casa da Moeda.| Foto: Divulgação/Casa da Moeda

A economia não é uma ciência exata, é uma ciência social. Essa afirmação pode ter um lado de verdade, mas, em nome dela, vêm sendo trazidas ao cenário do debate científico e político ideias e propostas que haviam sido sepultadas há algum tempo. Em verdade, a economia, como um sistema de produção, circulação, distribuição, acumulação e consumo, tem aspectos típicos das ciências sociais, mas tem também leis científicas típicas das ciências exatas, a exemplo da física e da matemática.

Um dos problemas dos debates a respeito é confundir a economia como um sistema produtivo com a economia no sentido de modo de produção. Para exemplificar, se alguém observar um pão e sua função como produto alimentício, esse produto é exatamente o mesmo em Cuba, Coreia do Norte e China (que são considerados economias socialistas), Canadá, Estados Unidos e Bélgica (consideradas economias capitalistas). A questão é que o processo econômico que dá existência ao pão é igual em todos os lugares. A terra tem de ser preparada, a semente tem de ser plantada, o trigo tem de ser colhido, o moinho tem de transformar a matéria-prima em farinha, a padaria tem de assar o pão para, a partir daí, chegar ao café de manhã de alguém.

Esse processo que começa na terra e percorre toda uma cadeia de plantio, transporte, indústria, comércio, venda e consumo do pão incorpora um conjunto de procedimentos, operações e tarefas cientificamente definidas, sem o que não se obtém o produto. Não importa se o processo produtivo se dá em um país capitalista (sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção, organização empresarial do processo produtivo e trabalho assalariado, sob regime de liberdade econômica) ou em um país socialista (sistema baseado na proibição de propriedade privada dos meios de produção, no planejamento, comando centralizado, controle estatal do sistema e ausência de liberdade econômica).

A economia é uma área da atividade humana em que os milagres são poucos e os sacrifícios, muitos

Capitalismo e socialismo (ou comunismo) não são duas economias, são dois modos de produção e realização das mesmas operações produtivas para a elaboração de algum bem ou serviço. Nos dois sistemas, há necessidade de um mecanismo para fixar produção e preços, que requer um estoque de moeda para o funcionamento das trocas, poupança, financiamento e acumulação de capitais. O estoque de moeda em circulação não é uma invenção sem regras, pelo contrário: é fruto de uma decisão técnica e controle rigoroso de circulação, expansão e contração. Em geral, a moeda – que é um sistema de vales obtidos e transacionados pelos agentes que participam do processo produtivo – tem sua fabricação e circulação sob o controle do governo, que é o único agente autorizado a emitir, expandir e retirar dinheiro de circulação.

Para a tarefa de emitir e administrar a moeda, o sistema financeiro e o mercado de crédito, em geral o governo cria uma estrutura com certo grau de autonomia operacional, que é o banco central (BC). Até os anos 1980, houve certo prestígio para uma corrente de pensamento que pregava não haver prejuízos causados por déficits públicos (gasto maior que a arrecadação tributária), já que o governo detinha o monopólio da fabricação de dinheiro e poderia cobrir parte de seus déficits com emissão monetária. Essa corrente perdeu prestígio quando se percebeu que, nos países em que sistematicamente os governos emitiram moeda para cobrir déficits, o excesso de dinheiro circulando era absorvido em forma de inflação ou hiperinflação.

Foi preciso que a inflação mostrasse todo o estrago que faz no sistema econômico e toda a destruição que provoca em termos de recessão, desemprego, pobreza e desmoronamento do mecanismo de preços como medida de valor e reserva de valor, para que o mundo entendesse que o estoque de moeda deve ter correspondência rigorosa no tamanho da produção do país. Como os governos, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, não deixaram de ter déficits por temerem a destruição causada pela inflação (para muitos economistas, inflação não é aumento de preços; é emissão monetária, da qual o aumento de é mero efeito), seguiram-se décadas em que os governos pagaram seus déficits com emissão de dinheiro e fazendo dívida.

Ocorre que o quanto de dívida um governo pode fazer é limitado pelo quanto de poupança nacional a sociedade privada deposita nos bancos a fim de que estes emprestem ao governo. Naqueles países em que o governo se tornou fabricante de déficits exagerados, parte era financiada com emissão de dinheiro e parte com dívida pública, prática que passou a causar inflação e juros altos, além de provocar escassez de fundos disponíveis nos bancos para emprestar aos consumidores e às empresas. Com licença para criar déficits, muitos países, entre eles o Brasil, passaram a gastar toda a arrecadação tributária em custo da máquina administrativa e serviços públicos, ficando sem recursos próprios para investimentos em infraestrutura física e infraestrutura social.

Atualmente vêm ressurgindo propostas para que os governos executem programas de obras e paguem com emissão de dinheiro, pois, segundo seus autores, pelo fato de gerar empregos e aumentar o produto nacional, a emissão de dinheiro não teria consequência inflacionária. Esse simplismo não faz sentido. A relação entre a emissão de dinheiro para cobrir déficits e seus efeitos em termos de aumentar a produção de bens e serviços de consumo é desarmônica no tempo e é sempre causadora de inflação, quando não hiperinflação. Se fosse possível empregar todos os desempregados em obras públicas e pagá-las com emissão de dinheiro sem nenhum dano inflacionário, nenhum país teria desemprego. A economia é uma área da atividade humana em que os milagres são poucos e os sacrifícios, muitos.

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