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Fábrica da Toyota em Sorocaba (SP).
Fábrica da Toyota em Sorocaba (SP).| Foto: Divulgação/Toyota

As notícias mais recentes sobre a indústria de transformação brasileira não poderiam ser piores. A começar pelo alerta de que o Brasil poderá deixar de fazer parte das dez maiores potências industriais do mundo, passando pela informação de que de 2010 para cá a produção industrial brasileira caiu 16%, enquanto a Indonésia (país que tomará o lugar brasileiro na décima posição) cresceu 46,3%, até a conclusão de que o Brasil não superou nem sequer sua fase de indústria de transformação de primeiro grau (industrialização simples de produtos agropecuários), o resultado é um só: a industrialização brasileira respira por aparelhos.

Ainda que se possa contabilizar algum êxito setorial e ocasional, a trajetória da indústria brasileira é fraca, e as razões são várias. Além de não superar a fase industrial de primeiro grau, o Brasil está longe de ingressar na chamada “Indústria 4.0”, com incorporação de tecnologias de alta precisão em áreas como a química fina, a biotecnologia, a nanotecnologia e a inteligência artificial. Ressalte-se que há ilhas de excelência isoladas aqui e ali, mas isso é muito pouco para um país que, segundo o IBGE, atingiu 210,5 milhões de habitantes neste início de outubro de 2019. As análises, os diagnósticos e as tentativas de entender o que, afinal, aconteceu para a indústria chegar a um desempenho ruim são várias, quase todas corretas, mas ainda carentes de precisão sobre quais fatores tiveram maior responsabilidade pela situação atual.

O setor industrial brasileiro viveu décadas de um sossego movido a protecionismo e subsídios; agora, tornou-se vítima do que sempre pediu

Outras interpretações podem ser tentadas na busca de melhores respostas. Em 2004, o economista Jeremy Rifkin lançou o livro O sonho europeu, no qual ele afirma que o velho sonho americano, que vinha atraindo pessoas do mundo todo para os Estados Unidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, começou a acabar após o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. Em certo trecho, Rifkin alerta para o que se pode chamar “o conforto que fragiliza”, em referência ao fato de que os jovens norte-americanos de classe média e alta foram cumulados com conforto, riqueza, mimos e proteção exagerada, até o ponto em que foram perdendo as bases do sonho americano: trabalho duro, disciplina, parcimônia no consumo, ética pessoal, respeito à ordem, obediência às instituições e sucesso por conta própria.

Respeitadas as diferenças e as proporções, a indústria brasileira, desde o primeiro governo de Getúlio Vargas, viveu décadas mais ou menos como os jovens descritos no livro de Rifkin. Protecionismo que livrou a indústria de enfrentar concorrentes internacionais, subsídios que garantiram sucesso mesmo para empresas ineficientes, reservas de mercado que atrasaram a evolução tecnológica e dispensaram a pesquisa e o progresso científico nas fábricas, favores tributários e creditícios que, se faziam algum sentido para dar impulso à indústria nascente, contribuíram para manter a indústria brasileira bem atrás da indústria dos países desenvolvidos. O setor industrial brasileiro somente foi ameaçado em seu sossego, derivado de tanta proteção e subsídios, a partir do governo de Fernando Collor, no início dos anos 90.

Não cabe culpar exclusivamente o setor industrial e suas empresas. Os governos das últimas oito décadas deram sua contribuição para o atraso com o chamado “custo Brasil”. Erroneamente, durante muito tempo falou-se em “custo Brasil” como sendo apenas os gargalos e ineficiências na infraestrutura de transporte, telecomunicações, energia, portos, aeroportos e armazenagem. Os gargalos nesses subsetores sempre ajudaram a piorar as coisas, mas o custo Brasil vai muito além, e inclui o custo do dinheiro para investimento (juros), a carga tributária comparada com os concorrentes internacionais, a taxa de câmbio (achatada durante muito tempo), o custo judicial (Justiça demorada e cara), o custo da obediência (peso da burocracia estatal e do sistema de impostos e regulamentos) e o déficit educacional (mão de obra de baixa qualificação).

Todas as explicações de curto prazo que vêm sendo dadas não bastam para justificar o fato de que a indústria brasileira está com o pior desempenho entre as dez nações mais industrializadas do mundo, pois o problema não é somente conjuntural (derivado de causas de curto prazo): é um problema histórico, estrutural e que não se corrige em poucos anos. As confusões criadas pelos governos nas últimas décadas, as incertezas, as crises políticas, as crises econômicas, o pouco confiável ambiente institucional para investimentos e as mudanças constantes na legislação e nas políticas industriais têm parte da culpa no atual estágio da indústria brasileira.

Os empresários e as entidades que os representaram, ressalvadas as exceções de praxe, têm sua parcela de culpa e acabaram sendo vítimas do que sempre pediram: proteção, subsídios, reserva de mercado, fechamento ao mercado internacional e barreiras à competição com empresas estrangeiras. Que não se usem as análises, as críticas e os erros para uma guerra de culpados, mas que o Brasil aprenda com os erros do passado e corrija os rumos em busca do progresso na indústria de transformação.

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