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Fachada do Congresso Nacional.
Fachada do Congresso Nacional.| Foto: Pedro França/Agência Senado

A lista de 35 prioridades que o presidente Jair Bolsonaro entregou aos novos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), era bastante variada em assuntos e incluía, de fato, muitos projetos que não são apenas prioritários, mas verdadeiramente urgentes, como as reformas econômicas. No entanto, ela deixou de fora um tema muito importante, a ponto de ter sido um dos pilares da plataforma que levou dezenas de milhões de brasileiros a dar seu voto a Bolsonaro em 2018: a agenda anticorrupção. Nenhum dos 35 projetos em tramitação no Congresso e que foram citados na lista preparada pela Secretaria de Governo tratava do assunto.

E nem de longe se pode justificar a ausência com a alegação de que o combate à corrupção está prosperando no país. Pelo contrário: o passado recente é marcado por retrocessos em série, muitos deles capitaneados pelo Congresso Nacional e que receberam o aval, ainda que implícito, do Executivo, a quem cabe sancionar ou vetar os projetos de lei que o Legislativo aprova.

Deixemos de lado, por ora, os absurdos perpetrados pelo Supremo Tribunal Federal em decisões equivocadas ou ações como o recente fim da força-tarefa da Lava Jato, decidido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para nos concentrarmos no Congresso. Primeiro, veio a Lei de Abuso de Autoridade, desenhada sob medida para facilitar a retaliação de investigados, réus e condenados contra aqueles que investigam, julgam e condenam. Bolsonaro sancionou a lei vetando alguns trechos problemáticos, mas deixando outros dispositivos muito ruins; e parte dos vetos bons acabou derrubada pelo Congresso posteriormente. Depois, o pacote anticrime sugerido pelo então ministro Sergio Moro foi tremendamente desfigurado, perdendo muitos itens que tornariam mais difícil a vida dos criminosos. Ainda que no Senado houvesse maior apoio às ideias de Moro, a casa aprovou o projeto da forma como veio da Câmara. Por fim, o Congresso pretende analisar alguns projetos que atrapalharão mais ainda o combate à corrupção, como alterações na Lei de Improbidade Administrativa e na legislação sobre o crime de lavagem de dinheiro.

É na segunda instância que termina a análise da culpabilidade em si, cabendo aos tribunais superiores apenas verificar possíveis irregularidades processuais

Em resumo, são muitas as frentes em que os corruptos e seus aliados atacam e que precisam de resposta. Mas, se o governo quisesse incluir um único projeto ou tema específico da pauta anticorrupção em sua lista de prioridades, a escolha seria óbvia: a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Afinal, nunca é demais lembrar, é na segunda instância que termina a análise da culpabilidade em si, cabendo aos tribunais superiores apenas verificar possíveis irregularidades processuais – por exemplo, se alguma prova foi obtida ilegalmente, ou se houve cerceamento de defesa. Tanto é assim que nem o STJ nem o STF podem declarar inocente alguém que as instâncias inferiores declararam culpado; no máximo, as cortes superiores anulam o julgamento, que tem de ser refeito. Isso é tão evidente que o início do cumprimento da pena após condenação na segunda instância foi a prática corrente no Brasil por décadas, e também depois da Constituição de 1988, sempre com o aval do STF, que julgou o tema pela primeira vez em 1991. Apenas no período entre 2009 e 2016, e depois da decisão mais recente de 2019, está valendo a prisão apenas depois de esgotados todos os recursos, inclusive ao STF.

Garantir a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância de forma clara e inequívoca exige alterar tanto a Constituição quanto o Código de Processo Penal – mudar apenas um dos textos é deixar as portas abertas para novos questionamentos jurídicos. Vários congressistas perceberam o problema e propuseram projetos de lei e PECs que, em conjunto, resolveriam a questão. O PLS 166/2018, que muda o CPP, está pronto para ir ao plenário do Senado desde fevereiro de 2020. Na Câmara, a PEC 199/2019 está parada em uma comissão especial; ela muda a Constituição para transformar os recursos aos tribunais superiores em ações independentes, o que faria a ação original transitar em julgado após o fim dos recursos na segunda instância – uma sugestão do ex-ministro do STF Cezar Peluso. Outra PEC, a 5/2019, parou na Comissão de Constituição e Justiça do Senado; ela insere na Constituição a previsão do início de cumprimento da pena após a condenação por colegiado; uma escolha simples e direta que evita controvérsias sobre o momento do trânsito em julgado e não viola a presunção de inocência prevista no artigo 5.º da Carta Magna.

No início de 2020, o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), até havia colocado a prisão após condenação em segunda instância como uma das prioridades da casa. Mas deputados e senadores se enroscaram em discussões sobre quais textos deveriam ser votados antes e, em um exemplo perfeito do que no futebol se chama “deixa que eu deixo”, ninguém votou nada. O assunto também não foi importante na recente disputa pelo comando das duas casas do Congresso; o silêncio do Planalto, por fim, não ajuda em nada a levar adiante os projetos e PECs.

A prisão após condenação em segunda instância faz todo o sentido do ponto de vista processual, não viola cláusulas pétreas sobre o devido processo legal e a presunção de inocência, e coloca o Brasil em sintonia com várias democracias sólidas (algumas das quais, aliás, começam a executar penas até mesmo com a condenação na primeira instância). O modelo atual, já está comprovado, fomenta a impunidade de quem pode usar os infinitos recursos permitidos pela legislação para protelar ao máximo o encerramento dos processos. A perspectiva de jamais passar um dia atrás das grades serve de incentivo aos criminosos. Se Bolsonaro, Lira e Pacheco não veem a importância de mudar este estado de coisas, ou a consideram algo menos importante que dezenas de outros tópicos, que parlamentares corajosos tomem a dianteira e que a população se mobilize para o país conseguir esta vitória em 2021.

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