A Câmara Federal começou a votar, em regime de urgência, projeto que torna crime o trote violento, uma questão antiga e que continua fazendo vítimas
O que deveria se tornar uma agradável lembrança de um momento importante para os jovens, o ingresso na universidade, tem se transformado em uma amarga recordação para o resto da vida. Quando não acrescida de graves sequelas físicas. O trote considerado selvagem, que deveria ser chamado de trote criminoso, continua fazendo vítimas. Os casos vão se acumulando. Em São Paulo, duas universitárias sofreram queimaduras causadas por uma mistura de creolina e tíner, despejada em seus corpos durante a "recepção" dos veteranos. Ainda em São Paulo, um estudante foi alvo de uma verdadeira sessão de torturas: amarrado a um poste, recebeu chutes no abdome e na cabeça, além de chicotadas. Obrigado a ingerir bebidas, acabou internado em coma alcoólico. "Para lá eu não volto", disse no dia seguinte.
Tais episódios remeteram à morte, há dez anos, do calouro Edison Tsung Chi Hsueh, 22 anos, ocorrida na piscina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Até hoje, ninguém foi punido. Nem nesse nem em outros casos.
Não se sabe exatamente como surgiu o trote. O que se sabe é que, transformado em prática comum na Europa, chegou ao Brasil no século XIX, no bojo da tradição portuguesa da Universidade de Coimbra. O primeiro caso de morte em trote no país ocorreu na Faculdade de Direito de Olinda, em 1831. Igualmente sabe-se que, hoje, na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos, o trote praticamente desapareceu. Há quem diga que existem trotes e trotes. Para essas pessoas, raspar o cabelo de um calouro, que passa a ser chamado de "bicho", pode ser considerado uma brincadeira, algo inofensivo, mas provavelmente não é assim que a maioria dos novatos na escola recebe, interpreta e assimila esse tipo de coisa. Até porque, em sua essência, é um ritual de humilhação.
E a questão que se impõe é a urgência de se dar um basta à truculência, ao achincalhe aos valores humanos e à urbanidade que vem travestido de festa de "boas-vindas".
Não sem tempo, a Câmara Federal começou a apreciar, em regime de urgência, um projeto de lei que torna crime o trote violento nas universidades. O texto, aprovado em primeira votação, prevê a abertura de processo contra quem praticar abusos e a consequente punição da instituição de ensino. Ficaria liberado tão somente o trote cidadão, ou trote social, como, aliás, ocorreu recentemente com calouros de uma faculdade de Ponta Grossa, que iniciaram o ano letivo dando uma aula de cidadania. Os estudantes arrecadaram material para limpeza, pintura e construção, para ajudar moradores de bairros pobres a cuidar de suas casas. O projeto na Câmara reunirá outros 15 que tratam do assunto e que, também para espanto ou surpresa, se é que ainda existe espaço para tanto, dormitam em gavetas do Congresso há pelo menos 14 anos.
A proposta do deputado Flávio Dino (PC do B-MA) vai, primeiramente, reconhecer que o trote violento é prática de crime, que pode ser enquadrado como constrangimento ilegal, lesão corporal e homicídio. Além disso, responsabilizará as universidades se seus alunos forem submetidos à violência em suas dependências.
No Paraná, a Assembleia Legislativa deve dar prioridade a um projeto que proíbe o estudante envolvido em trote de fazer estágio em órgãos públicos ou prestar concurso. A punição duraria três anos. E a instituição seria multada em R$ 30 mil.
Chegou a hora do basta.