• Carregando...
Quatro premissas para a reforma tributária
| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo

O ano de 2019 foi o ano da reforma da Previdência. Este 2020 deverá ser o ano da reforma tributária. Eventualmente, pode ser também o ano da reforma administrativa, mas esta é parcial e específica sobre a estrutura do Poder Executivo federal. O Brasil é uma federação, na qual os entes federados gozam de certo grau de autonomia política e administrativa; logo, a reforma administrativa destina-se a modernizar a estrutura funcional, os cargos, as normas de contratação e a gestão dos servidores públicos no âmbito federal. Como o tamanho do sistema estatal brasileiro inclui, além da União, 5.570 municípios, 26 estados, um Distrito Federal e centenas de empresas estatais, a reforma administrativa no âmbito da administração direta do governo federal será uma reforma parcial da estrutura geral do Estado brasileiro.

Mas é a reforma tributária aquela capaz de exercer o maior impacto sobre o sistema econômico, sobretudo no setor produtivo privado. Alguém poderia levantar a seguinte questão: se o setor estatal todo tem arrecadação efetiva de 35% da renda nacional (que é igual ao Produto Interno Bruto da nação), por que razão o governo e Congresso Nacional fariam uma reforma tributária? Porque a estrutura tributária brasileira tornou-se um monstro disforme, com excesso de tributos, distribuição distorcida entre União, estados e municípios, excesso (e má qualidade) de leis, regras complexas e altamente confusas, injustiça em relação à carga sobre os diferentes setores da economia, burocracia excessiva e cara – um inferno tributário favorável à corrupção e sonegação.

O Brasil construiu um hospício tributário caro, complexo, difícil de obedecer e responsável por boa parte da corrupção

Apesar de amplos setores produtivos desejarem que a reforma tributária seja levada adiante, há sempre o risco de repetir-se o fato de que, em todas as reformas tributárias, a carga aumentou. Dada a clara crise fiscal e déficits crônicos nas contas públicas em todos os entes da Federação, seguramente, qualquer que seja a reforma, não haverá redução efetiva da carga tributária – intenção que nenhum dos responsáveis por sua elaboração esconde, aliás. O sistema econômico é composto de quatro entidades: pessoas, empresas, governo e resto do mundo. Logo, o assunto trata do tamanho da carga de tributos que serão pagos por pessoas e empresas, já que o governo é o recebedor, não pagador, de tributos.

Neste momento, é importante que o governo e sociedade debatam pelo menos quatro premissas que deveriam nortear a reforma tributária. Primeira: o novo sistema tributário deveria cumprir a premissa de não superar o máximo lógico de um terço da renda nacional. Estudos apontam que, em uma economia de mercado, o setor estatal deve retirar no máximo 33% da renda gerada pela nação, para cumprir suas funções e prestar os serviços públicos que lhe são próprios. Segunda: municípios, estados e União devem se entender para definirem quais atribuições e funções ficarão a cargo de cada um deles, como o bolo tributário deve ser distribuído entre os três e qual a limitação do poder de legislar sobre tributos cada um terá. Uma das distorções graves do sistema atual é a multidão de normas e regras inventadas por municípios, estados e União, em função da outorga do direito de fazer suas leis e normas executivas, cujo exemplo mais acabado é o monstrengo no qual se tornou o ICMS.

Em terceiro lugar, o novo arcabouço legal deve ser muito cuidadoso com o favorecimento a determinados setores, pois isso sempre acaba sobrecarregando outras áreas, já que o governo, quando cria isenções sobre um grupo de produtos ou rendas, aumenta a carga de outros produtos ou setores. Um exemplo está na lista de renúncias fiscais por redução ou isenção de impostos sobre automóveis, caminhões e vários outros produtos. Ora, se a arrecadação tributária não diminuiu – pelo contrário, seguiu aumentando –, está claro que os benefícios de uns foram pagos por outros setores, produtos ou rendas. Um governo tem o direito de identificar atividades ou vocações econômicas que considere necessário incentivar ou promover, mas sempre é preciso ter em mente o impacto que essas opções terão sobre os demais ramos da economia, evitando injustiças, especialmente aquela que faz a carga tributária brasileira ser maior sobre os pobres do que sobre os ricos.

Por fim, a redução da quantidade de tributos tem de vir acompanhada da redução da quantidade de leis e normas executivas, simplificação do teor das leis e normas e limitação do poder de legislar sobre tributos no âmbito dos três entes federativos. O poder de criar, modificar e impor procedimentos sobre tributos precisa ser reduzido e limitado, sob pena de, não sendo assim, em poucos anos o Brasil estar novamente com uma montanha de leis, decretos, portarias, instruções normativas e procedimentos capazes de fazer voltar o manicômio tributário que o país quer – e precisa – enterrar. Basta estudar os sistemas tributários do mundo para concluir que o Brasil construiu um hospício tributário caro, complexo, difícil de obedecer e responsável por boa parte da corrupção. Cabe aos parlamentares a responsabilidade por melhorar o sistema tributário nacional, sob pena de o país continuar sendo punido por um sistema caótico e produtor de atraso.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]