O Ministério da Fazenda bem que avisou, mas a Câmara dos Deputados – incluindo os parlamentares da base aliada do governo Lula – não ouviu: votou às pressas um dos projetos de lei que regulamentava a primeira fase da reforma tributária, e foi adicionando setores, produtos e serviços na lista de isenções e descontos. O resultado nada surpreendente acaba de ser confirmado pela Fazenda: se todas as exceções forem mantidas, a alíquota cheia do futuro IVA dual ficará entre 27,94% e 27,99%, acima dos 26,5% inicialmente previstos e tomando da Hungria (que cobra 27%) o título mundial de maior alíquota de IVA.
A conta, obviamente, parte do pressuposto de que o Estado não quer perder um único centavo de arrecadação em comparação com o que é levantado hoje com os cinco tributos que serão unificados no IVA dual – formado por uma Contribuição sobre Bens e Serviços, federal, e um Imposto sobre Bens e Serviços, estadual e municipal. Afinal, para a tragédia dos pagadores de impostos, o objetivo da reforma tributária não é levar o poder público a sugar menos recursos da economia, especialmente para um governo comprometido com o aumento real do gasto público e completamente avesso a enxugamentos e racionalizações que diminuam o tamanho do Estado e a despesa que ele exige.
Se a arrecadação não pode cair, mesmo as isenções mais nobres, de produtos ou serviços que realmente valeria a pena isentar da cobrança, elevarão a alíquota geral
E, se é assim, a matemática é implacável. Qualquer dono de sala de cinema ou teatro, ou promotor de evento sabe exatamente quanto custa sua operação, e sabe também que, quanto mais meias entradas ou gratuidades (impostas por lei ou concedidas por escolha própria) houver, maior será o preço do ingresso. Com o IVA ocorre exatamente o mesmo, e isso independe de qualquer avaliação sobre as escolhas feitas, se elas fazem sentido ou não, se são fruto de um plano de desenvolvimento ou do sucesso de lobistas. Mesmo as isenções mais nobres, de produtos ou serviços que realmente valeria a pena isentar da cobrança, elevarão a alíquota geral para que não se perca arrecadação.
O número divulgado pelo Ministério da Fazenda amplia a pressão sobre os senadores, já que o texto vindo da Câmara instituiu uma trava que impediria uma alíquota superior a 26,5% em 2033, quando a transição do atual regime tributário para o novo for concluída. Os senadores podem remover a trava, ou podem rever as isenções – qualquer uma das escolhas terá seu ônus político. Uma opção mais racional seria uma redução nas isenções combinada com um abrangente sistema de cashback, que permita aos mais pobres reaver o dinheiro gasto com os impostos sobre certos produtos e serviços.
No entanto, a julgar pelas declarações do relator do texto no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), os senadores não devem topar o desgaste de retirar alguma das isenções aprovadas na Câmara. É bem possível que mantenham tudo como está e empurrem o problema para 2033, adaptando a máxima keynesiana do “no longo prazo estaremos todos mortos” para “no longo prazo estaremos todos esquecidos”. Afinal, daqui a nove anos, vários dos que aprovarem a reforma talvez nem estejam mais no Congresso, exercendo outros cargos ou desfrutando uma aposentadoria; e os que continuarem no Legislativo federal contarão com a memória curta da população, que não os cobrará quando a conta explodir nas mãos do contribuinte.
No começo de agosto, líderes de partidos no Senado pediram a retirada da urgência na tramitação do projeto; o presidente da casa, Rodrigo Pacheco, também seria favorável a uma tramitação mais lenta. No entanto, isso ainda não ocorreu e, na semana passada, um senador mais alinhado com o governo, Omar Aziz (PSD-AM), reiterou o pedido. A confirmação sobre a alíquota final do IVA, permanecendo tudo como está, é mais uma razão para o texto ser analisado com toda a calma possível e o respeito que o pagador de impostos brasileiro merece, mas quase nunca recebe.
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