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 | Jonas Pereira/Agência Senado
| Foto: Jonas Pereira/Agência Senado

Quando o brasileiro foi às urnas em outubro, ele manifestou um desejo enorme de mudança, depois de anos de corrupção galopante, do aparelhamento das estruturas do Estado, da engenharia social indiscriminada, da cumplicidade com ditaduras em todo o mundo, da exaltação daqueles que saquearam o Brasil. Isso levou à eleição não apenas de Jair Bolsonaro para a Presidência da República, mas também de vários parlamentares associados a essa renovação, enquanto o eleitorado rejeitava vários veteranos da vida política, que não terão um novo mandato. No entanto, vários representantes da “velha política” sobreviveram, incluindo o senador alagoano Renan Calheiros, reeleito para mais oito anos.

Pois Renan não se dá por satisfeito ao conseguir aquilo que as urnas negaram a Dilma Rousseff, Roberto Requião, Eduardo Suplicy, Cristovam Buarque, Lindbergh Farias, Eunício Oliveira, Edison Lobão ou Romero Jucá. O alagoano quer voltar a presidir o Senado, disputa que já venceu quatro vezes, nos períodos de 2005 a 2007 e de 2013 a 2017. Tal pretensão, por si só, já é um insulto ao brasileiro, agravado pelo fato de Calheiros ser apontado como o favorito para vencer a disputa, que ocorrerá em 1.º de fevereiro, quando o Congresso Nacional retomar seus trabalhos, com a posse dos eleitos em outubro de 2018.

Calheiros será mais um obstáculo que uma ajuda na implementação da agenda econômica e moral escolhida pela população nas eleições

Como já lembramos em ocasião recente, o currículo de Calheiros e suas passagens pelo comando do Senado não o credenciam em absolutamente nada para um novo mandato de presidente da casa. Por mais que, no ano passado, o alagoano tenha sido inocentado da única acusação que o Supremo Tribunal Federal chegou a julgar (um processo por peculato), Calheiros ainda é investigado e alvo de outros inquéritos, alguns dos quais relacionados à Operação Lava Jato – que, aliás, já foi alvo de várias críticas pesadas do senador. Como se isso não bastasse, é preciso lembrar também que, em 2007, ele deixou a presidência do Senado em meio a uma série de escândalos, renunciando ao posto para não perder o mandato.

No currículo de Calheiros ainda está o vergonhoso fatiamento do impeachment de Dilma Rousseff, em que, trabalhando com o então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, a Constituição foi ignorada para permitir que os senadores cassassem o mandato da petista sem retirar-lhe os direitos políticos. O alagoano ainda é um dos entusiastas da pior versão do projeto de lei sobre abuso de autoridade, aquela que praticamente amarraria as mãos de juízes e procuradores. E, em vídeos feitos no ano passado, mas que voltaram a circular nas mídias sociais recentemente, o senador mostra sua adesão ao “Lula livre”, afirmando que o ex-presidente e agora presidiário foi condenado sem provas. Diante de tudo isso, há como alguém acreditar que Calheiros tem condições morais de voltar à presidência do Senado?

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À questão moral acrescenta-se outra, de ordem prática. O alinhamento de Calheiros com a pior banda do MDB e com o petismo indica que, com o cargo de presidente nas mãos, ele será mais um obstáculo que uma ajuda na implementação da agenda econômica e moral escolhida pela população nas eleições. Em busca de apoio, o alagoano já jantou com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e prometeu empenho na aprovação da reforma da Previdência, mas seria muito melhor que os senadores não embarcassem em uma aposta, escolhendo alguém que já tenha demonstrado mais compromisso com as propostas do atual governo.

A votação do dia 1.º será secreta, de acordo com o que prevê o regimento do Senado. Não é nossa intenção, neste momento, discutir qual sistema de votação é melhor, se fechado ou aberto; mas o voto fechado é, de fato, tudo o que senadores dispostos a apoiar Calheiros queriam, pois eles não ficam obrigados a explicar a seu eleitorado os motivos para apoiar figura tão desqualificada. Por outro lado, a votação secreta abre uma oportunidade: parlamentares cuja consciência os impede de apoiar o emedebista podem endossar outro candidato sem medo de pressão ou retaliação. E ainda existe uma terceira possibilidade, a de que, em sinal de respeito ao eleitor, os senadores declarem publicamente, de modo informal, a sua escolha. Nossa esperança é a de que, quando o Senado abrir seus trabalhos, daqui a poucos dias, o grupo dos senadores conscientes seja o mais numeroso e coloque no comando da casa um colega digno, que conduza os trabalhos do Senado com nobreza e compromisso com as pautas que façam do Brasil um país melhor.

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