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Senador Márcio Bittar (MDB-AC), na apresentação do Renda Cidadã: veja tudo que já se sabe sobre o novo programa
O presidente Jair Bolsonaro e o senador Márcio Bittar (MDB-AC), na apresentação do Renda Cidadã.| Foto: Alan Santos/Presidência da República

No fim, era tudo questão de nome: após duas tentativas frustradas, por parte da equipe econômica, de encontrar financiamento para o substituto do Bolsa Família, Jair Bolsonaro decidiu que estava proibido falar em Renda Brasil, mas não desistiu de emplacar um programa social que pudesse superar aquele implantado por Lula – e que, por sua vez, foi uma consolidação de uma série de outros benefícios criados por seus antecessores, especialmente Fernando Henrique Cardoso. Nesta terça-feira, Bolsonaro participou, ao lado do senador Márcio Bittar (MDB-AC) – que substituiu Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) na relatoria da PEC Emergencial –, do anúncio do Renda Cidadã. O novo programa, no entanto, já despertou críticas, mais uma vez motivadas pela maneira encontrada para bancá-lo.

Do que se sabe até o momento, o benefício seria maior que o pago atualmente pelo Bolsa Família, que é de R$ 190 em média – o novo valor ficaria entre R$ 200 e R$ 300, e Bolsonaro gostaria de conseguir a maior quantia possível dentro desse intervalo. O número de beneficiários também será maior, para contemplar pelo menos parte dos brasileiros que têm recebido o auxílio emergencial durante a pandemia de coronavírus, mas não estavam no cadastro do Bolsa Família. Para conseguir os recursos adicionais, Bittar previu duas fontes de financiamento: usar até 5% dos recursos do novo Fundeb, recentemente aprovado no Congresso, que iriam para famílias com filhos na escola; e colocar no programa parte dos valores destinados ao pagamento de precatórios, dívidas do governo com cidadãos ou empresas e que já foram reconhecidas de forma definitiva pela Justiça. O governo havia reservado, no orçamento de 2021, R$ 55 bilhões para essa finalidade, mas agora quer limitar o dinheiro dos precatórios a 2% da receita corrente líquida da União, o que daria R$ 16 bilhões, liberando R$ 39 bilhões para o Renda Cidadã.

Aumentar despesas sem cortar em outro lugar pode até estar no limiar da legalidade, mas passa uma mensagem péssima sobre o futuro do ajuste fiscal no Brasil

Segundo Bittar, é a solução “possível e menos danosa” para financiar o Renda Cidadã, mas os críticos afirmam que ela vai além do “efeito moral”. O uso de verba do Fundeb foi duramente questionado por analistas do mercado financeiro, pelo diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Saito, e pelo ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas. Para eles, esta seria uma forma torta de furar a regra do teto de gastos, além de uma distorção na destinação específica dos recursos do Fundeb.

Com os precatórios a reação não foi diferente, já que não se trata de cancelar uma despesa para viabilizar o Renda Cidadã, como deveria ter ocorrido, mas apenas empurrar para o futuro um gasto que continuará existindo. A Ordem dos Advogados do Brasil classificou a medida como “inconstitucional”, e um ex-integrante da equipe econômica dos governos Temer e Bolsonaro afirmou que o uso dos precatórios poderia até mesmo ser classificado como pedalada. O secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, negou que haja irregularidade, mas reconheceu que que não se trata de reduzir despesas, mas de postergá-las, e que a “solução política” encontrada repercutiu muito mal no mercado financeiro.

Como é possível que haja tanta dificuldade de encontrar poucas dezenas de bilhões de reais dentro de um orçamento trilionário para financiar um programa social? Em parte, o governo tem suas mãos atadas: como já lembramos neste espaço, são tantas as vinculações e obrigações que, deste trilhão e pouco de reais que a União deverá gastar em 2021, muito pouco será destinado àquilo que o governo escolher, pois todo o restante já está empenhado; daí a necessidade urgente dos “três Ds” – desindexar, desvincular e desobrigar – que são objetivo da equipe econômica e que estão parcialmente contemplados nas PECs Emergencial e do Pacto Federativo.

No entanto, naquele pouco que fica a critério do governo, escolhe-se mal. A rejeição de Bolsonaro a outras opções que realmente representariam corte de gastos – mesmo quando se trata de benefícios considerados ineficazes, como havia sido o caso da primeira proposta da equipe econômica para o Renda Brasil – acaba levando a escolhas controversas como a apresentada nesta terça-feira. Usar o Fundeb e os precatórios, aumentando despesas sem cortar em outro lugar, pode até estar no limiar da legalidade, mas passa uma mensagem péssima sobre o futuro do ajuste fiscal no Brasil.

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