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A deputada Margarete Coelho, relatora do Código de Processo Eleitoral na Câmara.
A deputada Margarete Coelho, relatora do Código de Processo Eleitoral na Câmara.| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A inelegibilidade de cinco anos para juízes, membros do Ministério Público, policiais e militares após deixarem os respectivos cargos não é o único retrocesso previsto no projeto de lei do Código de Processo Eleitoral, que a Câmara pretende votar já na próxima quinta-feira. O texto relatado por Margarete Coelho (PP-PI) também quer afrouxar a fiscalização e a punição de irregularidades eleitorais, abrindo muitas brechas para o mau uso dos recursos públicos destinados aos partidos e campanhas.

Neste momento em que muitas atenções estão voltadas ao bilionário e acintoso fundo eleitoral, recentemente vetado por Jair Bolsonaro, mas que pode retornar durante as discussões do Orçamento de 2022, é o Fundo Partidário, seu irmão mais velho, que pode ganhar novos usos além daqueles definidos no artigo 44 da Lei 9.096/95, a Lei dos Partidos Políticos. O projeto prevê a utilização do dinheiro do contribuinte “em outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação da executiva” – e, como “interesse partidário” é um conceito suficientemente amplo para abarcar praticamente tudo, fica aberta a porta, por exemplo, para a compra de imóveis ou meios de transporte como jatos, como lembrou à Gazeta do Povo o cientista político Magno Karl.

Qualquer mudança na legislação eleitoral precisa vir na direção de mais transparência, maior fiscalização da prestação de contas e mais rigor para quem emprega de forma escusa os recursos públicos. O Código de Processo Eleitoral faz o oposto

Uma série de novidades previstas no projeto ainda consagra a leniência diante de comportamentos que o Brasil, com muito esforço, passou a ver como condenáveis. Transporte de eleitores, boca de urna e atos de propaganda realizados no dia da eleição, como comícios e carreatas, deixam de ser crime, com pena de prisão, para serem considerados apenas infrações puníveis na esfera cível como multa – no caso do transporte de eleitores, o valor máximo da punição será de R$ 100 mil. A consequência lógica de se excluir a pena de prisão e manter apenas a multa será a adoção de um cálculo bastante pragmático por parte dos candidatos e legendas: vale a pena pagar se a prática irregular trouxer um benefício maior em termos de votos e desempenho eleitoral? Se a conclusão for a de que a irregularidade compensa, práticas quase banidas do cenário eleitoral brasileiro correm o risco de se tornarem corriqueiras.

O mesmo cálculo, aliás, passará a ser feito também no caso da multa por reprovação das contas dos partidos pela Justiça Eleitoral, que hoje é de 20% do valor considerado irregular, nas no Código de Processo Eleitoral não passaria de ínfimos R$ 30 mil. Como se isso não bastasse, o projeto reduz o papel da Justiça Eleitoral na fiscalização das contas dos partidos; eles poderão contratar empresas privadas, que encaminharão um relatório ao Tribunal Superior Eleitoral; além disso, as cortes eleitorais passarão a ter apenas dois anos, em vez de cinco, para realizar o enorme trabalho de análise das contas. A transparência no uso de recursos públicos por parte das legendas, assim, fica seriamente prejudicada, e o incentivo aos partidos para que se mantenham na linha fica bastante reduzido com os novos valores máximos de multas.

Cada vez mais, as eleições são processo bancado quase que exclusivamente por dinheiro do contribuinte, seja pelo lado da organização do pleito, seja no financiamento dos partidos e candidatos. Não deveria ser assim – as legendas e campanhas eleitorais deveriam se sustentar apenas com recursos próprios, oriundos de seus filiados e daqueles que simpatizam com suas plataformas ou com os candidatos. Como isso não ocorre, no entanto, qualquer mudança na legislação eleitoral precisa vir na direção de mais transparência, maior fiscalização da prestação de contas e mais rigor para quem emprega de forma escusa os recursos retirados das pessoas e empresas, e que, em vez de serem empregados na oferta de serviços públicos de qualidade, é destinado à atividade política. O Código de Processo Eleitoral inverte essa lógica: menos transparência, menos fiscalização e menos rigor.

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