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Rosa Weber
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber.| Foto: Fellipe Sampaio/STF

Nesta terça-feira, pouco antes do início da sessão da Segunda Turma que tornaria Sergio Moro suspeito no julgamento do tríplex do Guarujá, beneficiando o ex-presidente Lula, o Supremo Tribunal Federal dava seu aval para outro grande abuso seguir adiante: a ministra Rosa Weber negou monocraticamente um habeas corpus impetrado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) para suspender o inquérito aberto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra procuradores da Lava Jato. Com isso, a corte poderá seguir adiante com uma investigação que repete as piores características de outra aberração jurídica, o inquérito das fake news que corre no STF.

O STJ não apenas assumiu – abusivamente, é preciso sempre recordar – o tríplice papel de vítima, investigadora e julgadora, mas também está atropelando questões diretamente relacionadas ao fato de os alvos da investigação serem procuradores do Ministério Público Federal, que só podem ser investigados por outro membro do MPF e devem ser julgados em um Tribunal Regional Federal. Para acrescentar ainda mais abusos à lista, o inquérito viola flagrantemente a Constituição ao estar embasado em prova ilícita (as supostas conversas entre procuradores, obtidas por meio do crime de invasão dos celulares dos membros do MPF), e pretende apurar um “crime de opinião”, já que, segundo tais conversas, cuja autenticidade jamais foi comprovada, mesmo após perícias, os procuradores teriam simplesmente mencionado a ideia de analisar a movimentação patrimonial de ministros do STJ, sem jamais tê-la colocado em prática.

O desmonte da Lava Jato não se limita a simplesmente desfazer o trabalho bem feito da operação. O que está ocorrendo, aos poucos, é a transformação dos agentes da lei em criminosos, enquanto os verdadeiros bandidos terminam impunes

Reportagem do jornal O Globo publicada na manhã de terça-feira apenas reforça a noção de que o inquérito seria, no fim das contas, uma vingança pessoal do presidente da corte, Humberto Martins, contra quatro procuradores que fizeram parte da força-tarefa da Lava Jato (Deltan Dallagnol, Diogo Castor de Mattos, Januário Paludo e Orlando Martello Junior) e outros dois membros do MPF, a subprocuradora-geral Luiza Frischeisen e o procurador regional Eduardo Pelella. Isso porque, apesar de alegar que o inquérito é motivado pela suposta intenção dos procuradores de violar o sigilo fiscal de ministros, Martins incluiu reportagens publicadas na imprensa sobre outros temas, especialmente o fato de o presidente do STJ e seu filho, Eduardo Martins, terem sido citados na delação premiada de Léo Pinheiro, da empreiteira OAS. Em 9 de setembro de 2020, durante uma das fases da Lava Jato, a Polícia Federal encontrou R$ 100 mil em dinheiro vivo no escritório de Eduardo Martins em Brasília; o advogado era investigado por receber R$ 5,5 milhões da Fecomércio carioca sem comprovação de contrapartida lícita. O filho do presidente do STJ chegou a ser denunciado e se tornar réu, mas os processos foram rapidamente suspensos, em outubro de 2020, por liminar de Gilmar Mendes.

Em resumo, não bastassem todos os demais abusos – uso de prova ilegal sem autenticidade comprovada, foro inadequado para investigar e julgar procuradores, corte atribuindo-se papel de vítima, investigador e julgador –, ainda temos uma situação em que um delatado se propõe a investigar os seus investigadores. Ora, se tudo isso não é motivo mais que suficiente para se conceder o habeas corpus e suspender o inquérito, o que mais seria? As razões para uma liminar estão mais que evidentes. O periculum in mora, “perigo na demora”, é nítido, já que cada dia a mais de inquérito rasga os direitos básicos dos procuradores investigados. E, quanto ao fumus boni iuris, “fumaça do bom direito”, referência a indícios de que os procuradores têm o direito de não serem vítimas de abuso, bem, o arbítrio é tão evidente que falar em “fumaça” é um eufemismo, pois estamos diante de algo como um incêndio de grandes proporções que ilumina tudo ao redor.

O desmonte da Lava Jato não se limita a simplesmente desfazer o trabalho bem feito da operação, ou piorar a legislação para que não se repitam iniciativas semelhantes de combate à corrupção. O que está ocorrendo, aos poucos, é a transformação dos agentes da lei – policiais, procuradores, juízes – em criminosos, enquanto os verdadeiros bandidos terminam impunes, livres, com a ficha limpa e, quem sabe, até garantidos financeiramente, recebendo de volta os valores que desviaram e devolveram. E, para isso, até mesmo a Constituição acaba rasgada.

Quem tem compromisso com a solidez das instituições democráticas e com a defesa da honestidade no trato da coisa pública, ciente de que o que está em jogo não é apenas a Lava Jato ou o combate à corrupção, mas a própria manutenção do império da lei no Brasil, não haverá de assistir a tudo isso com indiferença ou resignação. Estamos diante de um momento decisivo, que pede uma grande e vigorosa mobilização nacional em defesa da restauração da verdade sobre a Lava Jato. A história de um momento singular e emblemático da vida nacional não pode acabar reescrita e falseada, apagando-se os méritos de todos os que tanto fizeram pelo Brasil. Impedir que isso ocorra é tarefa que cabe a todos nós.

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