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Enquanto o Ministério da Fazenda anunciava, na semana passada, um pacote de medidas com a evidente intenção de manter o nível de consumo da classe média, o Banco Central agia em sentido contrário – isto é, conservava os juros, principal e mais eficaz freio ao consumo, no mesmo altíssimo patamar vigente, de 13,75%. Um paradoxo, sem dúvida, de difícil compreensão até mesmo pelos mais abalizados estudiosos da crise financeira mundial que nos aflige e que buscam meios de enfrentamento para que ela debilite o quanto menos a economia nacional. O que se constata, diante disso, é que o ministro Guido Mantega e o presidente do BC, Henrique Meirelles, sinalizam marchar em dissintonia.

As últimas providências, ainda que consideradas tímidas diante da gravidade do quadro, eram, uma, de indubitável de justiça e, outras, de necessidade premente. A de justiça diz respeito às mudanças introduzidas no imposto de renda para as pessoas físicas, com a correção e a criação de mais duas escalas de alíquota, de modo a reduzir a mordida do leão sobre os ganhos dos trabalhadores de classe média. Significa que menos dinheiro da população tomará o caminho automático dos cofres públicos e será direcionado ao consumo, em montante que, embora insuficiente para estimular de maneira sensível a indústria e o comércio, soma-se às demais medidas anunciadas.

Outro item do pacote refere-se ao corte pela metade do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), de 3% para 1,5%, o que deverá se refletir no cotidiano das pessoas que se utilizam do cheque especial, de cartões de crédito para despesas comuns e de prestações para compra de bens de consumo. O eventual impacto positivo só se verificará, no entanto, se os agentes financeiros de fato repassarem o benefício para o cliente consumidor. É o que o governo espera.

Mais um item importante foi a decisão de isentar ou de reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos automotores. Os modelos populares, de até 1.000 cilindradas, deixam de ser taxados; os de luxo ou de maior potência já estão desde a última sexta-feira pagando cerca da metade do tributo que pesava sobre eles. Na prática, isto significa que os carros devam ficar 7% mais baratos.

Esta desoneração é temporária. Valerá apenas até março do ano que vem, mas contribuirá, pelo menos, para desovar os elevados estoques nos pátios das montadoras e concessionárias – um fôlego que deverá, entre outros benéficos efeitos, diminuir a ameaça de desemprego em massa num setor tão estratégico para a economia quanto o automobilístico.

Diante da disposição manifestada pela área fazendária do governo de estimular o consumo, que veio na seqüência de medidas para manter elevada a liquidez do crédito – de que é exemplo melhor a redução do compulsório dos bancos – soa inacreditável a manutenção da Selic pelo Banco Central. Política monetária nesses termos, como se sabe, é útil para a contenção da inflação, o que, decididamente, não é o caso no presente momento. Ao contrário, a ameaça que paira sobre o país é a da deflação causada pela recessão – como compreenderam todos os países do mundo que, tão logo se viram diante da crise, providenciaram imediata redução de suas taxas oficiais.

Há mais duas conseqüências embutidas nesta decisão que contrariam frontalmente as demais anunciadas pelo governo. A primeira delas é que, sendo tão alta e segura a remuneração dos títulos públicos, os bancos preferirão aplicar neles os seus recursos ao invés de ampliar a oferta de crédito ao público e ao setor produtivo. Por outro lado, pagando juros médios de 1% ao mês para rolar sua dívida interna, o governo gasta mensalmente perto de R$ 60 bilhões. Em sentido inverso, a cada redução de 1%, seriam R$ 60 bilhões de recursos públicos que poderiam ser destinados, por exemplo, ao fomento da produção e ao consumo.

Na verdade, tal incongruência e dissintonia entre os condutores da política econômica revelam o pior: que o governo ainda tateia, inseguro e de modo claramente insuficiente, entre as muitas alternativas que se oferecem para o enfrentamento efetivo e eficaz da grave situação.

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