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Entrevista de Sergio Moro à Gazeta do Povo
Sergio Moro falou de Lula, prisão em 2.ª instância, redução de homicídios, eleições 2022.| Foto: Rodrigo Sierpinski/Gazeta do Povo

Em entrevista ao jornal argentino Clarín, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes voltou à carga contra o ministro da Justiça, Sergio Moro, e prometeu se esforçar para colocar em julgamento no Supremo ainda neste ano um habeas corpus que pode anular a sentença do ex-presidente Lula no caso do tríplex do Guarujá. Em julho de 2017, Moro condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, mas a defesa do ex-presidente recorreu ao STF no fim de 2018, alegando parcialidade da parte do então juiz federal e elencando, entre os motivos, o fato de Moro ter aceito o convite de Jair Bolsonaro para ser seu ministro da Justiça.

Ainda no fim de 2018, o julgamento começou na Segunda Turma da corte, com Edson Fachin e Cármen Lúcia recusando o habeas corpus. Mendes pediu vista e devolveu o processo em julho deste ano, assim que o site The Intercept Brasil começou a divulgar o que alega ser o conteúdo de conversas entre Moro e integrantes da força-tarefa da Lava Jato. Mas, em uma manobra na qual se comportou mais como advogado de defesa de Lula que como juiz, Mendes tentou tirar da cartola a soltura de Lula sem julgar o mérito do habeas corpus, um truque que nem mesmo Celso de Mello, conhecido por sua postura mais garantista, endossou.

Os atos processuais invocados pela defesa de Lula como evidência da “parcialidade” de Moro se deram todos de acordo com a lei

Não é nosso objetivo, no momento, discutir as ridículas alegações apontadas pela defesa de Lula, que recorre até mesmo a uma teoria da conspiração sobre um acerto que teria sido costurado mais de um ano antes de uma eleição presidencial, quando a maioria dos analistas considerava que Bolsonaro, apesar da boa posição nas pesquisas em meados de 2017, naufragaria na hora da campanha, que repetiria a polarização entre petistas e tucanos. Nem é preciso afirmar quão absurda é a pretensão de considerar como prova da suspeição de Moro o conteúdo dos supostos diálogos publicados pelo Intercept, cuja autenticidade nem mesmo é comprovada, o que a torna inútil como evidência em um tribunal. Mas todas essas inconsistências são o motivo pelo qual, se a Segunda Turma efetivamente anular os atos de Moro no processo do tríplex, terá desferido um golpe decisivo contra a Lava Jato – muito mais mortal que as decisões sobre a prisão após condenação em segunda instância, ou que a anulação de sentenças nos casos em que corréus delatados não entregaram suas manifestações finais após corréus delatores.

Nunca é demais recordar o que a Lava Jato representa para o Brasil desde que foi deflagrada, cinco anos e meio atrás. Não se tratou apenas de desvendar um dos maiores – se não o maior – esquemas de corrupção da história do país, grave pelo montante desviado e ainda mais grave pelo objetivo do desvio, o de fraudar a democracia brasileira. O mensalão já havia aberto uma rachadura no dique da impunidade de poderosos, mas de forma incompleta. Foi com a Lava Jato que finalmente peixes graúdos da política e do empresariado nacional passaram a ser devidamente investigados, processados e punidos, pagando pelo mal que fizeram ao país. E tudo isso graças, especialmente, ao trabalho criterioso da força-tarefa sediada em Curitiba e do então juiz Sergio Moro – até porque na outra frente, a dos políticos com foro privilegiado, e que envolve a Procuradoria-Geral da República e o próprio Supremo, os resultados demoram a aparecer, em parte pelo engessamento processual desse tipo de ação.

A palavra-chave, aqui, é “criterioso”. Os responsáveis pela Lava Jato, da investigação ao julgamento, aproveitaram as experiências anteriores, bem ou mal-sucedidas – incluindo casos de operações anticorrupção que terminaram anuladas, como a Satiagraha –, e sabiam muito bem o que podiam ou não fazer. Não podemos, de forma alguma, compactuar com a narrativa segundo a qual a Lava Jato comete “abusos”, como se Moro e a força-tarefa tivessem decidido que, para combater uma quadrilha poderosa e influente e impedir que tudo terminasse em impunidade, seria necessário cruzar deliberadamente a linha que separa a legalidade da ilegalidade. Os atos processuais invocados pela defesa de Lula como evidência da “parcialidade” de Moro se deram todos de acordo com a lei, e mesmo casos mais controversos se deram em questões passíveis de interpretação, de forma pontual, sem que se possa vislumbrar neles qualquer indício de que Moro deliberadamente buscava a condenação de Lula. O que definiu o veredito no caso do tríplex não foi uma predisposição do magistrado contra o réu, mas o irrefutável robusto conjunto probatório levantado pela força-tarefa.

Aqui reside a gravidade de uma decisão que anule os atos de Moro no processo do tríplex. Não se trata da adequação da lei ordinária à Constituição, como ocorreu com a prisão após condenação em segunda instância; nem de buscar preservar o direito ao contraditório e ampla defesa, como no caso das alegações finais de corréus delatados. Essas são decisões a nosso ver equivocadas, mas que envolvem a interpretação da lei. Se decidir que Moro agiu de forma parcial, a Segunda Turma, independentemente da boa ou má fé que guia cada ministro, terá rasgado um processo transcorrido totalmente dentro da lei para beneficiar o mais célebre e o mais poderoso dos réus da Lava Jato. É a “mensagem de leniência” enviada à sociedade, para usar palavras do procurador Deltan Dallagnol que lhe motivaram uma perseguição no Conselho Nacional do Ministério Público. É um sinal inequívoco, para todos os interessados em cumprir e fazer cumprir a lei, de que com algumas pessoas não se mexe.

Quando a Lava Jato começou, o paralelo com a Operação Mãos Limpas, na Itália, era evidente e reconhecido inclusive por Moro e pela força-tarefa, que previram a repetição, no Brasil, da ofensiva para impedir que o combate à corrupção prosperasse. O Congresso brasileiro, infelizmente, tem repetido o roteiro italiano, destruindo as Dez Medidas Contra a Corrupção, aprovando a lei de abuso de autoridade e minando o pacote anticrime de Moro. Mas será absolutamente indecente se, diferentemente do que ocorreu na Itália, o golpe mais duro em defesa da ladroagem – ainda que não seja essa a intenção – vier da mais alta corte do Judiciário brasileiro.

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