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O ministro Edson Fachin abriu a divergência e defendeu a impossibilidade de redução do salário dos servidores públicos.
O ministro Edson Fachin abriu a divergência e defendeu a impossibilidade de redução do salário dos servidores públicos.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Se um governo em situação fiscal irremediável e que está descumprindo os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal pode demitir servidores, mesmo aqueles concursados e que gozam de estabilidade, não poderia adotar uma medida menos drástica e, para evitar cortes, negociar soluções intermediárias, como a redução de salários com a correspondente diminuição da jornada de trabalho? O bom senso diria que sim, até como maneira de evitar intensificar ainda mais o enorme desemprego que aflige o Brasil. Mas o Supremo Tribunal Federal está caminhando para uma conclusão diferente.

A possibilidade de demissão de servidores concursados está definida na Constituição de forma cristalina. Em 1998, uma emenda constitucional determinou que, se os gastos com pessoal de um estado ultrapassarem o limite determinado por lei, há uma sequência a seguir: primeiro, cortar comissionados e exonerar os servidores que não gozam de estabilidade. Mas, se nem mesmo isso bastar, também o funcionalismo tradicional terá sua estabilidade relativizada em nome da saúde fiscal do governo. Esse caminho está nos parágrafos 3.º e 4.º do artigo 169 da Carta Magna, e há até mesmo uma indenização para o servidor demitido nestes termos.

Se o Estado pode tomar a medida que causa maior dano, que é a demissão, deveria também poder recorrer a uma solução menos prejudicial ao servidor

Em 1999, a Lei de Responsabilidade Fiscal finalmente definiu qual seria o limite máximo para os gastos com o funcionalismo: 60% da receita corrente líquida. O artigo 23 ainda criou uma nova medida para que um governo diminua seus gastos e não estoure o limite: a redução de salários dos comissionados (parágrafo 1.º) e, depois, a dos servidores concursados – diz o parágrafo 2.º que “é facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária”, uma solução que a iniciativa privada já conhece e pratica há muitos anos em momentos de crise, justamente para evitar demissões. No entanto, em 2000, o PT, o PCdoB e o PSB foram ao Supremo contra este e vários outros trechos da LRF, e o julgamento ocorreu na semana passada.

O relator, Alexandre de Moraes, defendeu a constitucionalidade da redução de salários e jornadas, alegando que a Constituição e a LRF, juntas, forneciam uma escala de medidas a ser adotadas. No choque entre as garantias da estabilidade do servidor concursado e da irredutibilidade de rendimentos – previstas respectivamente nos artigos 41 e 7.º, VI da Carta Magna –, a estabilidade é a “garantia maior”, nas palavras do relator, e por isso não faria sentido impedir o gestor de preservá-la por meio da relativização da irredutibilidade salarial. Essa foi a interpretação seguida por Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.

Mas o ministro Edson Fachin divergiu, defendendo a impossibilidade de se abrir mão da integralidade salarial do servidor, sendo seguido por Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Marco Aurélio Mello. Por fim, Cármen Lúcia defendeu uma solução intermediária, admitindo a redução de jornada, mas não de salário – uma medida totalmente inócua, já que o objetivo de tais ajustes é reduzir os gastos do poder público. Como houve uma divergência de interpretação dos votos, o presidente da corte, Dias Toffoli, encerrou a sessão sem anunciar resultado, o que deve ocorrer quando o assunto voltar à pauta do STF.

Na prática, o que os seis ministros estão querendo dizer é que, se o poder público precisar cortar gastos também com os servidores concursados, colocá-los no olho da rua é uma solução mais aceitável ou desejável que renegociar jornadas e salários para que eles possam manter o emprego. Não são apenas os funcionários públicos, potenciais vítimas dessa decisão, que verão muita dificuldade em compreender essa lógica. É amplamente conhecida – e empregada no Direito – a frase “quem pode o mais pode o menos”. Ora, se o Estado tem a possibilidade de adotar a medida mais drástica, a que causa maior dano, que é a demissão, deveria também poder recorrer a uma solução menos prejudicial ao servidor, reduzindo seu salário e a jornada, mas preservando seu posto, e chega a ser surpreendente que seis dos ministros não tenham percebido algo tão evidente. Ao colocarem o artigo 41 da Constituição em um pedestal, os partidos que acionaram o STF e os integrantes da corte subverteram esse princípio, tiraram dos estados uma ferramenta útil para equilibrar seus gastos e colocaram na linha de tiro o emprego de servidores que poderiam muito bem manter seus postos mesmo em tempos de crise.

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