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 | Beto Barata/Presidência da República
| Foto: Beto Barata/Presidência da República

De um ponto de vista puramente numérico, a votação de quarta-feira, em que a Câmara dos Deputados decidiu se arquivaria ou se enviaria ao Supremo Tribunal Federal a denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer, era a mais fácil já enfrentada por Temer. Ele só precisava de 172 votos favoráveis ao relatório que recomendava o arquivamento – em comparação, reformas propostas em projetos de lei, como a trabalhista, exigem maioria simples (257 votos); e propostas de emenda à Constituição, como foi a PEC do Teto e como seria a reforma da Previdência, requerem o voto de 308 deputados, ou três quintos da casa legislativa. No entanto, para escapar do Supremo, Michel Temer pagou muito mais do que já havia pago antes, e nesse processo pode ter rifado as reformas que ainda pretendia fazer.

O poder da caneta funcionou à toda mesmo durante a votação nominal ocorrida na Câmara, com cargos de segundo e terceiro escalão sendo negociados ali mesmo, no plenário. Assim se construiu o placar de 263 votos a favor de Temer e 227 contra o presidente, além de 19 faltas e duas abstenções (21 deputados que, no caso, também beneficiaram Temer). Imediatamente percebe-se: esse apoio não seria suficiente para aprovar uma PEC, e mesmo um projeto de lei que exige maioria simples passaria raspando.

O preço para votar a favor de uma reforma sumamente necessária, mas também extremamente impopular, como a da Previdência, tende a ser maior

As negociatas para arquivar a denúncia oferecida por Rodrigo Janot estabeleceram um precedente no qual o lado mais fraco da relação é o Palácio do Planalto. Até então, ainda havia alguma dúvida sobre essa correlação de forças – a equipe de Temer já chegou a ter cacife para “ameaçar” possíveis rebeldes dentro da base aliada, usando os cargos de indicação política como forma de retaliação –, mas a votação de quarta-feira mostrou quem faz as regras agora, em uma dinâmica que se repetirá quando vierem as novas denúncias que Janot promete oferecer e, especialmente, se o governo tentar votar a reforma da Previdência.

É verdade que houve deputados que votaram contra Temer, mas aproveitaram os segundos na tribuna para manifestar apoio às reformas. O PSDB, sem o qual Temer teria dificuldades para governar, se dividiu na quarta-feira (22 votos pelo arquivamento da denúncia, 21 pelo seu prosseguimento e quatro abstenções), mas também tem uma posição mais sólida pró-reformas. No entanto, é muito maior o grupo cuja fidelidade e adesão às propostas de Temer depende quase que exclusivamente da liberação de emendas e da nomeação de apadrinhados. E o preço para votar a favor de uma reforma sumamente necessária, mas também extremamente impopular, tende a ser maior. Um brasileiro desiludido com a política pode não se importar tanto se seu deputado livra Temer de um processo, mas, quando sua aposentadoria estiver em jogo, prestará muito mais atenção no voto desse mesmo parlamentar.

Leia também:  Dia decisivo para Temer (editorial de 2 de agosto de 2017)

E, se Temer permanecer nas mãos dos deputados fisiologistas, graças ao comportamento que ele mesmo incentivou, acabará gastando toda a tinta de sua caneta para garantir a sobrevivência até 2018, restando-lhe pouco ou quase nada para realizar as reformas que ainda estão por vir – ironicamente, anulando o argumento apresentado por muitos deputados na quarta-feira, segundo o qual a manutenção de Temer na Presidência seria importante justamente por causa de sua plataforma reformista.

Nos dias finais de Dilma Rousseff no Planalto, ela praticamente abriu mão de governar para se dedicar exclusivamente à sua defesa. Dado o seu ideário econômico e seu gosto pela engenharia social, colocar seus esforços em outra direção talvez até tenha impedido um desastre ainda maior. Já seu sucessor chegou ao Planalto com a possibilidade de deixar um legado importante de mudanças estruturais no país. Mas, agora, corre o risco de terminar o mandato repetindo a ex-presidente.

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