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Misturado às negociações do Executivo com o Congresso visando à prorrogação da CPMF, o debate em torno do projeto de lei que regulamenta a Emenda 29, inscrita na Constituição Federal, acabou merecendo menos destaque da mídia e menor participação da sociedade na trajetória final de sua tramitação no Legislativo. Uma lástima, porque a regulamentação, nos termos em que está sendo proposta, coloca fim a uma discussão de suposto fundo conceitual, mas cujo resultado prático tem sido, até agora, a insuficiência crônica dos investimentos governamentais em saúde pública.

A Emenda 29 foi sancionada em 2000 após uma longa batalha da sociedade e de movimentos organizados e destinou-se a obrigar os governos federal, estaduais e municipais a aplicarem porcentuais mínimos e definidos de suas receitas tributárias no setor de saúde. Dessa forma, procurava-se dar consistência ao princípio geral estabelecido pela Constituição de 1988 que, ao criar o Sistema Único de Saúde (SUS), reconheceu ser o acesso às ações e serviços de saúde um direito de todos os cidadãos e um dever do Estado.

Assim, aos estados passou a ser obrigatória a vinculação de 12% da arrecadação em saúde pública e aos municípios, 15%. As verbas, dentro do montante requerido, deveriam ser alocadas no SUS. Àqueles que não cumprissem o dispositivo constitucional recairiam as penalidades previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – isto é, seus governantes estariam sujeitos a responder por crime de responsabilidade e as unidades federativas, impedidas de receber repasses da União.

Não demorou, contudo, para que, aproveitando-se do texto genérico da Emenda 29, os estados passassem a contabilizar como recursos destinados à saúde os investimentos em saneamento básico e em programas de nutrição – um estratagema com evidente propósito apenas de fechar a conta, e dar como cumprida a obrigação para fugir das penalidades prescritas. Por conta desse comportamento, a maioria dos estados de fato não cumpre o que está preceituado na Constituição, dentre os quais o Paraná.

O texto do projeto de lei que regulamenta a Emenda 29, atualmente em regime de votação final no Congresso, põe fim a esta prática de alargar os limites de entendimento sobre o que sejam gastos com saúde pública. Já não deixa dúvidas quanto à improcedência conceitual e técnica contida na tentativa de incluir as despesas públicas com água e esgoto ou com distribuição de leite e cestas básicas como investimento em saúde.

São ações e serviços de saúde o que se referir à prevenção de endemias, à vacinação infantil, à redução da mortalidade materna, à atenção aos idosos, ao acesso amplo aos medicamentos, ao atendimento aos portadores de necessidades especiais, à criação de vagas nos hospitais e UTIs, às cirurgias e a uma política eficaz de transplantes. Na medida em que se considerar o saneamento básico como programa de saúde, está-se, na prática, diminuindo a aplicação de recursos nas atividades diretas e essenciais de saúde pública. Nem a distribuição de leite, embora importante, deve prejudicar, por exemplo, o atendimento pré-natal.

Assim, agiram corretamente os legisladores que formularam o projeto de regulamentação da Emenda Constitucional 29. Espera-se que o texto seja finalmente aprovado.

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