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| Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

O que o presidente norte-americano, Donald Trump, não conseguiu por meio da negociação foi resolvido com uma canetada. Incapaz de convencer o Congresso a aprovar fundos para a construção do muro na fronteira com o México, uma de suas promessas na campanha vitoriosa de 2016, Trump declarou “emergência nacional” na região fronteiriça, uma medida que lhe dá poderes para contornar o Poder Legislativo e financiar o muro com recursos originalmente previstos para outras rubricas do orçamento federal.

O impasse sobre a aprovação de dinheiro para o muro já tinha causado o shutdown mais longo da história norte-americana, entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019. Os shutdowns ocorrem quando o Congresso não entra em acordo sobre o orçamento e, a partir de um certo momento, o funcionamento de estruturas públicas e o pagamento de seus servidores é suspenso, já que não há financiamento previsto para mantê-las abertas. Em 25 de janeiro, quando o Partido Democrata, de oposição a Trump, já havia assumido o controle da Câmara dos Representantes após a vitória nas eleições de novembro de 2018, o presidente concordou com um socorro temporário, encerrando o shutdown até 15 de fevereiro e permitindo a continuação das negociações. Na véspera do fim do prazo, republicanos e democratas chegaram a um acordo e as duas casas do Congresso aprovaram um orçamento que incluía US$ 1,375 bilhão para o muro, bem menos que os US$ 5,7 bilhões desejados por Trump. Contrariado com a solução, Trump sancionou o orçamento, mas também declarou emergência nacional, algo que ele já vinha prometendo, para poder ter o valor total.

Trump não se incomoda em atropelar o Poder Legislativo e seus próprios defensores para conseguir o que deseja

Declarações de emergência nacional não são novidades na história recente norte-americana. Bill Clinton usou o recurso 17 vezes; George W. Bush, 12 (incluindo uma declaração após os ataques de 11 de setembro de 2001); e Barack Obama, 13. Algumas dessas declarações continuam em vigor, já que elas podem ser renovadas indefinidamente. Mas a atitude de Trump despertou críticas até mesmo de políticos republicanos e de comentaristas conservadores. A alegação mais comum é a de que não houve nenhum agravamento significativo na fronteira que justificasse a emergência nacional.

Os parlamentares republicanos ainda apresentam razões bem mais pragmáticas para se opor à decisão de Trump: se ele pode declarar emergência nacional por algo como a construção do muro, o que impedirá um futuro presidente democrata de recorrer à mesma medida em temas caros aos republicanos? A presidente da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi, já lançou essa ameaça, afirmando que, se os democratas recuperarem a Casa Branca, poderiam declarar uma emergência nacional que permitisse ao presidente impor restrições ao uso de armas, um direito cuja defesa mobiliza os republicanos.

Leia também: Trump é o muro (artigo de Jorge Ramos, publicado em 13 de janeiro de 2019)

Leia também: Intransigência fatal (editorial de 12 de outubro de 2013)

Esse tipo de “retaliação” já ocorreu no passado, envolvendo a nomeação de juízes, que até 2003 sempre exigia 60 dos 100 votos no Senado. Naquele ano, os republicanos desenharam a chamada “solução nuclear”, uma mudança de regra pela qual bastaria maioria simples para aprovar as nomeações. Por dez anos, a necessidade dos 60 votos foi mantida, pois nenhum partido ousou apertar o botão, mas os democratas o fizeram em 2013 para facilitar indicações para alguns cargos. Em 2017, foi a vez de os republicanos completarem o trabalho e estenderem a regra às nomeações da Suprema Corte. Assim, os indicados de Trump – Neil Gorsuch, em 2017, e Brett Kavanaugh, em 2018 – foram aprovados com 54 e 50 votos, respectivamente.

A emergência nacional só poderá ser revertida pelo Poder Judiciário, se alguma pessoa afetada pela declaração for à Justiça, ou pelo próprio Congresso, que poderia aprovar uma resolução que encerre o estado de emergência. O presidente, no entanto, pode vetar a resolução, a não ser que ela tenha uma supermaioria de dois terços tanto no Senado quanto na Câmara, o que exigiria uma colaboração de muitos parlamentares republicanos dispostos a desafiar a insensatez de Trump, que não se incomoda em atropelar o Poder Legislativo e seus próprios defensores para conseguir o que deseja.

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