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 | José Cruz/Agência Brasil
| Foto: José Cruz/Agência Brasil

A audiência pública sobre a ADPF 442, que pretende legalizar o aborto no Brasil até a 12.ª semana de gestação, começa na manhã desta sexta-feira e terminará na próxima segunda-feira. A ministra Rosa Weber, relatora da ação, convocou cerca de 50 expositores, entre indivíduos, órgãos públicos (como Defensorias Públicas e o Ministério da Saúde), universidades e entidades da sociedade civil organizada. Neste mesmo espaço, acabamos de dizer que chega a ser surreal que estejamos discutindo se os artigos do Código Penal que impedem o assassinato de seres humanos indefesos e inocentes são inconstitucionais. Mas, já que a ADPF foi aceita, menos mal que a relatora tenha convocado parte da sociedade civil para colocar seus argumentos sobre algo tão fundamental.

Aqui, no entanto, temos outra parte do problema. Na decisão redigida por Rosa Weber no início de junho, e que traz a lista completa de expositores e a programação da audiência, a ministra diz querer garantir a “pluralidade e paridade da composição da audiência, bem como das abordagens argumentativas a serem defendidas”. Mas a relação está completamente enviesada para o lado favorável à legalização ao aborto, como demonstrou levantamento feito pela Gazeta do Povo e pelo site Sempre Família – no primeiro dia da audiência, a predominância da posição pró-aborto é avassaladora. Como houve quase 200 pedidos de habilitação para participação na audiência, dos quais apenas cerca de 25% foram aceitos, seria muito difícil que a ministra e sua equipe não tivessem como encontrar expositores pró-vida suficientes para respeitar a “pluralidade e paridade da composição da audiência”. Com uma composição tão desbalanceada, será difícil estabelecer um debate em condições de igualdade entre a posição pró-vida e a pró-aborto.

É absurdo que uma organização que demonstra tanto desprezo pelas leis seja aceita como parte legítima em uma suprema corte

Além disso, a lista tem escolhas bastante questionáveis, como a Women on Waves, entidade que se notabilizou desafiando abertamente o ordenamento jurídico de vários países, levando mulheres de nações que proíbem o aborto para que possam realizar a prática em águas internacionais. É absurdo que uma organização que demonstra tanto desprezo pelas leis seja aceita como parte legítima em uma suprema corte.

E este não é o único aspecto controverso da relação de expositores selecionados por Rosa Weber. Boa parte das entidades contrárias à liberação do aborto e que participarão da audiência é claramente vinculada a alguma religião. Isso cria um grande problema, pois ameaça a legitimidade do próprio discurso pró-vida. Não temos dúvida alguma de que essas entidades usarão argumentos puramente éticos, filosóficos, jurídicos e científicos nas suas exposições, mas a “etiqueta” aposta a esses participantes dá margem para que se use a falácia segundo a qual o discurso pró-vida é, no fundo, uma posição de ordem religiosa, o que está muito longe da verdade. Que entidades religiosas fossem convidadas é natural – as religiões, como parte da sociedade civil organizadatêm todo o direito de participar do debate público nas questões que lhes interessam –, mas elas jamais poderiam constituir a esmagadora maioria dos expositores pró-vida, até porque a maioria dos brasileiros que se opõem ao aborto, ainda que pertença a alguma religião, não defende o nascituro porque “Deus manda” ou “a Bíblia diz”, mas porque é movida por convicções éticas a respeito da dignidade do ser humano. Novamente, é preciso questionar se, dentre todos os pró-vida que pleitearam a participação na audiência e foram rejeitados, não haveria gente de gabarito e sem vinculações formais religiosas que dessem margem a distorções do debate.

A posição de Rosa Weber sobre a legalização do aborto já é conhecida, pois ela acompanhou Luís Roberto Barroso quando ele aproveitou o julgamento de um habeas corpus para decidir que os artigos do Código Penal que proibiam o aborto eram inconstitucionais. Mas esperava-se que, ao escolher os expositores para a audiência pública, a ministra promovesse um debate em igualdade de condições, com participantes comprometidos com o cumprimento da lei (e não que debochem dela), e sem dar margem para falácias laicistas. Infelizmente, não foi o que ocorreu. Só nos resta esperar que, durante a audiência, a posição pró-vida tenha em clareza e eloquência o que lhe foi negado em número.

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