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| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ministro da Justiça, Sergio Moro, apresentou na segunda-feira o “pacote anticrime” a que já havia se referido em seu discurso de posse, em janeiro. Trata-se de promover alterações em nada menos que 14 leis diferentes, incluindo o Código de Processo Penal, a Lei de Execuções Penais e o Código Eleitoral. Um esforço elogiável por ser ambicioso, abrangente e, ao mesmo tempo, robusto e simples, beneficiando-se da experiência de primeiríssima mão do ministro Moro, que, durante seu tempo na magistratura, teve a oportunidade de identificar as deficiências da legislação atual e as circunstâncias que facilitam a vida dos criminosos, especialmente os do colarinho branco, e colaboram para a impunidade.

As dezenas de alterações propostas por Moro e sua equipe, e que serão enviadas ao Congresso Nacional, podem ser divididas em três eixos principais: a efetividade dos processos; a luta contra a corrupção e o crime organizado; e o combate aos crimes violentos. Não é nada difícil entender o porquê das escolhas feitas para o pacote. Processos se arrastam lentamente, devido a uma infinidade de recursos, muitas vezes terminando com a prescrição e a impunidade. Várias situações de progressão de pena e saídas temporárias revoltam a população. O crime cometido com o uso da violência – e não falamos aqui apenas dos homicídios, cujas estatísticas colocam o Brasil em situação pior que a de países em guerra civil – é uma das grandes preocupações do brasileiro, e o presidente Jair Bolsonaro fez do tema uma prioridade em sua campanha. Da corrupção e do crime organizado nem é necessário falar, depois dos megaescândalos que o país presenciou ao longo de praticamente toda a era do lulopetismo no poder e das demonstrações de força por parte de organizações como o Comando Vermelho e o PCC, que aterrorizam cidades inteiras com ordens partidas de dentro das cadeias.

Trata-se de coibir situações que colaboram para que, no fim, a justiça acabe não sendo feita

Desses três eixos, o mais importante, indubitavelmente, é a efetividade dos processos. O pacote de Moro ataca várias das fragilidades atuais, por exemplo restringindo os casos em que a defesa pode interpor embargos infringentes, ou aumentando as situações em que o prazo para a prescrição para de correr. Além disso, Moro também deseja trazer para o Brasil a possibilidade (já existente em outros países) de que, em certos casos de menor gravidade, o investigado e o Ministério Público costurem um acordo mediante a confissão do crime, permitindo uma punição proporcional sem que toda a máquina da Justiça tenha de ser acionada. Nada disso, é preciso dizer, ameaça o direito à ampla defesa garantido pelo inciso LV do artigo 5.º da Constituição; trata-se apenas de coibir situações que colaboram para que, no fim, a justiça acabe não sendo feita.

Merece destaque especial a proposta de mudar o Código de Processo Penal para incluir nele a possibilidade de início do cumprimento da pena após a condenação na segunda instância. Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter retomado, em 2016, o entendimento tradicional de que a prisão já é possível a partir de condenação por colegiado, o texto do CPP manteve uma redação que não contemplava essa interpretação – foi com base no artigo 283 do CPP, por exemplo, que, em dezembro de 2018, o ministro Marco Aurélio Mello havia mandado soltar todos os presos sem condenação transitada em julgado, loucura que felizmente foi contida pelo presidente da corte, Dias Toffoli, naquele mesmo dia.

Leia também: Crime sem processo no Brasil? (artigo de Gustavo Scandelari, publicado em 15 de janeiro de 2019)

Leia também: A Justiça que falha porque tarda (editorial de 22 de abril de 2018)

A decisão de Moro de cristalizar o entendimento do Supremo por meio de uma alteração no CPP, e não da Constituição, é um acerto estratégico. Primeiro, porque, se o STF já entende que a prisão após condenação em segunda instância é constitucional, uma PEC seria desnecessária; a prioridade seria corrigir a lei infraconstitucional que se contrapõe a esse entendimento. Além disso, uma emenda ao artigo 5.º da Carta Magna certamente seria questionada pelos que veriam em tal iniciativa uma alteração no que entendem ser cláusula pétrea; sem falar do aspecto mais prático: PECs exigem o apoio de três quintos de cada casa legislativa em duas votações, contra a maioria simples necessária para projetos de lei como o pacote de Moro.

É bem verdade que há o risco de que as alterações propostas por Moro neste aspecto acabem inutilizadas se o Supremo reverter o entendimento sobre a prisão após condenação em segunda instância no julgamento marcado para abril. Infelizmente, há boas chances de que isso ocorra, apesar dos suficientes argumentos jurídicos já expostos no próprio Supremo em defesa da tese que permite a prisão, que saiu vencedora quatro vezes nos últimos três anos. Se realmente o Supremo reverter a interpretação, será preciso encontrar uma nova estratégia.

Apresentado o projeto, esperamos que a discussão ampla e o trâmite legislativo sirvam para aprimorar o projeto, esclarecendo alguns pontos e removendo eventuais arestas, e não para desidratá-lo ou desfigurá-lo, como já aconteceu com outras boas iniciativas, incluindo as Dez Medidas contra a Corrupção. O pacote de Moro é um ótimo início em uma luta que será decisiva para fazer do Brasil um país onde a violência e a corrupção deixem de ser mazelas nacionais, onde a Justiça seja célere e eficaz, onde o crime não compense.

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