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Praça dos Três Poderes e Esplanada dos Ministérios, em Brasília
Praça dos Três Poderes e Esplanada dos Ministérios, em Brasília.| Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Quando Getúlio Vargas assumiu a Presidência da República em janeiro de 1951, ele não escondia seus pendores nacionalistas e estatizantes que prenunciavam um governo centrado no desenvolvimento conduzido pelo Estado e economia fechada ao exterior. Apesar dessa marca, o sagaz político trazia larga experiência acumulada em 15 anos como chefe da nação, de 1930 a 1945, período em que ganhou experiência no governo de um país grande, pobre, complexo e cansado de esperar pelo desenvolvimento e redução da pobreza.

Vargas era um homem complexo, que estimulava o culto à imagem de nacionalista estatizante preocupado com o povo menos favorecido, e gostava da fama de “pai dos pobres”. Porém, vendo o pequeno progresso que o Brasil houvera feito entre o início de seu longo governo ditatorial, em 1930, e o início de seu mandato em 1951 como presidente eleito democraticamente, Vargas manifestava preocupação com a lentidão do Brasil em obter o progresso e com a enorme dependência do país em relação a suprimentos internacionais. Sabendo que a vulnerabilidade do Brasil em relação a suprimentos internacionais era grave, o presidente criou, no primeiro ano de seu governo, a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, da qual fez parte o economista liberal e internacionalista Roberto Campos, que vinha de profícua experiência nos assuntos econômicos com os quais trabalhava na embaixada brasileira em Washington desde 1942.

Federação disfuncional, desordem no funcionamento dos três poderes, máquina estatal inchada e tímida abertura ao exterior impedem o Brasil de realizar o seu potencial de desenvolvimento

Ali, no governo Vargas, se apresentava oportunidade favorável para o Brasil começar o salto rumo ao crescimento econômico e desenvolvimento social. Mas o governo Vargas transitou de crise em crise, culminando com o suicídio do presidente em 24 de agosto de 1954. Passados quase 68 anos desde o episódio, o Brasil chega a 2022, ano em que completa dois séculos desde sua independência do império português, apresentando uma trajetória em que praticamente a normalidade é crise e instabilidade econômica e/ou política. Não é exagero afirmar que o país vem boicotando a si próprio sistematicamente por meio de distorções e disfunções, entre as quais duas podem ser destacadas pelo potencial de impedir o desenvolvimento: a federação disfuncional e a desordem no funcionamento dos três poderes.

O Brasil é uma república federativa composta de municípios, estados, Distrito Federal e União, com uma Constituição nacional predominante e cada estado com sua própria Constituição. Os poderes e obrigações, as prerrogativas e deveres, os limites e impedimentos, e as funções que são competência da União federal, dos estados e dos municípios devem estar devidamente definidos, regulados e claros a fim de que os três entes federativos – municípios, estados e União – funcionem bem, com eficiência e harmonia. Pois neste ponto está uma das principais distorções e deformações do Brasil: a federação brasileira é disfuncional, confusa, tortuosa, cheia de superposição de poderes, atribuições e limites, de forma que a regra constante é a existência de conflitos insolúveis, com elevados prejuízos à vida econômica, política e social. A federação brasileira é uma teia complexa e deformada que vive uma crise constante, como uma doença crônica incurável.

A outra deformidade grave, que tem mostrado enorme potencial destrutivo e impeditivo do progresso nacional, é a confusa e disfuncional interligação entre os três poderes e a eterna indefinição sobre quem pode o quê, o que vale e o que não vale. Nos dias atuais, é praticamente impossível saber-se com clareza qual o grau de autonomia e os limites dos poderes e qual a distinção de papéis entre Legislativo, Executivo e Judiciário. O elenco de litígios, interferências e ilogicidades nas ações de um poder sobre a competência e função dos outros dois faz do Brasil um lugar de incerteza e insegurança jurídica. E com um detalhe adicional: a Constituição federal e as leis são escritas com redação que permite ambiguidade e dupla interpretação, de forma que a mesma regra é tal coisa para alguns juristas e, para outros, é seu contrário.

A essas duas características negativas – a federação disfuncional e a confusa independência e harmonia dos três poderes – adicionem-se outras duas que também geram incerteza, insegurança e risco, e que fazem o país ser eternamente instável e inibidor de investimentos: a máquina estatal inchada, ineficiente e infectada por corrupção endêmica; e a tímida abertura ao exterior que, ao lado de outros problemas, impede a absorção das tecnologias estrangeiras e, por isso, dificulta o aumento da produtividade. Não é preciso muito mais para concluir que o Brasil é seu próprio inimigo, um país que vem boicotando a si próprio há décadas e fazendo que o aumento da renda por habitante, o fim da miséria, a redução da pobreza e as melhorias sociais sejam objetivos que a nação não sabe quando conseguirá atingir – se é que o fará algum dia, embora as doenças nacionais sejam conhecidas e os remédios também.

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