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O projeto Ficha Limpa finalmente foi aprovado pelas duas Casas do Congresso Nacional, mas os cidadãos ainda terão de esperar para comemorar essa mudança essencial para a democracia brasileira, conquistada apenas porque houve organização e mobilização da sociedade civil. Para que a lei valha já para as próximas eleições, dois poderes da República terão de analisá-lo, cada um a seu modo. Primeiro é preciso que o projeto seja promulgado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que se torne lei. Em seguida, deverá ser analisado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já que parlamentares consultaram o Poder Judiciário para que se pronuncie sobre a validade do Ficha Limpa ainda neste ano. Essas questões precisam ser resolvidas antes de 6 de junho, prazo considerado por especialistas em Direto Eleitoral como limite para que valha já nas eleições que ocorrerão em outubro deste ano. Con­­tudo, mesmo que o Ficha Limpa vença a corrida contra o tempo, ao que tudo indica a proposta terá por en­­quanto pouca efetividade.

Aprovado na quarta-feira pelo Senado, o projeto é considerado um avanço para a democracia brasileira ao impedir que políticos com condenação criminal possam concorrer às eleições. O presidente Lula tem agora 15 dias para sancionar o projeto. Fácil de perceber que terá de ser às pressas. Dada a necessidade de se ter uma resposta da Justiça Eleitoral o quanto antes, ontem mesmo o presidente do TSE, Ricardo Le­­wandowski, informou que vai pedir prioridade para que a proposta aprovada no Congresso Na­­cional seja levada à plenária do tribunal com prioridade de análise.

Contudo, embora possa ser comemorada como uma vitória dos cidadãos brasileiros, uma manobra dos senadores mudou o sentido do projeto ao alterar sua redação no "último minuto". Ao aprovar uma emenda cujo objetivo seria de "uniformizar" expressões usadas na proposta, os senadores consentiram que o Ficha Limpa só passe a valer para políticos que sejam condenados após a promulgação da lei. Essa interpretação é, inclusive, a que foi feita por Ricardo Lewadowski, muito embora o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), relator da emenda, acredite que a alteração não mudou nada na interpretação da proposta e que e a lei valerá para quem já foi condenado por um grupo de magistrados.

A possibilidade de alguns senadores tentarem um tipo de manobra para inviabilizar a aprovação do Ficha Limpa chegou a ser tratada neste espaço no início deste mês. Contudo, não se esperava que a astúcia parlamentar chegasse ao nível que, afinal, parece ter chegado. A aprovação do Ficha Limpa do jeito que o projeto estava tinha tudo para ser uma grande conquista dos cidadãos brasileiros. O projeto nasceu da iniciativa popular – com mais de 1,6 milhão de assinaturas – enfrentou resistência na Câmara e representava uma esperança de mudança na qualidade da política brasileira. O Ficha Limpa, valendo somente para os condenados a partir de agora, será uma conquista incompleta. A renovação dos quadros políticos por pessoas honestas será "lenta e gradual".

Mesmo assim, não se deve esmorecer. A proposta continua a ser um "filtro" para o ingresso na vida política, pois estabelece regras que incentivam a conduta correta da classe política. O seu potencial punitivo deve inibir, ao menos um pouco, que políticos propensos a cometer ilícitos assim o façam.

Mas vale lembrar, entretanto, que o Ficha Limpa não é um remédio milagroso para todos os males da política brasileira. Problemas sempre vão existir. Muitos deles não serão nem sequer alvo de atenção dos próprios parlamentares, como se observou nos acontecimentos recentes que abalaram o Congresso Nacional – atos secretos, farra das passagens aéreas – e a Assembleia Legislativa do Paraná, com seus Diários Secretos. Mas os problemas detectados pela sociedade poderão ter sua solução a partir dela mesma. De todo esse episódio do Ficha Limpa parece ficar uma lição. Os cidadãos brasileiros estão aprendendo a conhecer a força latente que reside em sua ação conjunta. A Constituição da República, felizmente, lhes reservou um papel de atuação direta que vai os colocar cada vez mais em evidência. É o início de um processo que pode culminar em tornar políticos em cidadãos comuns iguais. Algo que ainda não se concretizou em sua totalidade na de­­­mocracia brasileira.

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