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Presidente dos EUA, Donald Trump, e o candidato presidencial democrata Joe Biden.| Foto: AFP

Uma das muitas consequências da pandemia de coronavírus foi ter deixado em segundo plano a eleição mais importante do planeta. Em menos de três meses, o eleitor americano decidirá se será governado pelo republicano Donald Trump ou pelo democrata Joe Biden nos próximos quatro anos. A eleição de 2020, que interessa de forma particular ao governo brasileiro, será única por diversos motivos.

Devido ao vírus, a disputa deste ano tem sido uma campanha sem grandes comícios ou eventos presenciais. As prévias dos dois principais partidos renderam pouco para o noticiário, e agora o maior assunto da eleição é a votação propriamente dita. Explica-se: outra consequência do coronavírus é a possibilidade de que alguns estados permitam que os eleitores votem a distância, pelo correio. Nos Estados Unidos, não existe Tribunal Superior Eleitoral: cada estado estabelece as próprias regras, inclusive na eleição para presidente. Por isso, a preocupação com possíveis fraudes é real.

Donald Trump, que está em uma situação desconfortável nas pesquisas, não deixou o assunto passar em branco; bem ao seu estilo, foi ao Twitter se queixar: disse que talvez fosse o caso de se adiar o pleito para evitar as “eleições mais fraudulentas da história”. Não há sinais concretos de que o hiperbólico presidente americano pretenda de fato adiar as eleições - até porque poucos juristas acreditam que ele tenha poder para fazê-lo. Mas, apesar da preocupação legítima com a lisura do processo, não deixa de ser incomum que o líder da mais sólida democracia do planeta esteja a questionar o próprio sistema eleitoral utilizando as redes sociais.

Do outro lado, o ex-vice-presidente Joe Biden prepara uma estratégia diferente. Com a imagem atrelada ao ex-presidente Obama, um apoio considerável entre o eleitorado negro (tradicionalmente democrata) e uma boa dose de carisma pessoal, ele está à frente nas pesquisas em estados-chave, como Ohio, Michigan e Pensilvânia. Problema: aos 77 anos (se eleito, ele terá 78 no dia da posse), Biden dá sinais de que suas capacidades mentais estão em declínio. Com frequência, ele tropeça em palavras simples, se esquece do que estava dizendo e não consegue concluir o raciocínio. Neste aspecto, a pandemia auxiliou o candidato democrata, que encontrou um pretexto para se resguardar. Alguns estrategistas de Biden têm argumentado em favor do cancelamento dos debates, o que poderia favorecer o ex-vice-presidente. Já conhecido do grande público por ter ficado oito anos na vice-presidência, Biden precisa, de certa forma, falar pouco para continuar sendo quem era no imaginário do público.

A saúde de Biden é um fator importante porque, embora pertença a uma ala mais moderada do Partido Democrata, ele pode não concluir o mandato se for eleito - ou, o que pode ser pior, pode se transformar em um presidente incapaz de governar, ficando refém de aliados radicais. O partido tem se movido com velocidade cada vez maior para a esquerda, e alas mais extremistas têm tentado se apropriar da máquina da sigla. A pauta mais recente dos democratas nas grandes cidades é a redução drástica do financiamento (quando não simples abolição) da polícia. Por isso, a escolha do candidato a vice na chapa de Biden pode ser um fator determinante na eleição: um nome muito radical pode afastar os democratas mais moderados e ajudar Trump. Um nome considerado muito moderado, por outro lado, pode frustrar os democratas mais radicais e reduzir o potencial eleitoral de Biden.

No que diz respeito ao Brasil, aliás, o maior torcedor de Trump é o comandante do Palácio do Planalto: Jair Bolsonaro apostou, de forma explícita, todas as fichas em uma relação com o atual líder americano, e uma eventual derrota de Trump significaria uma mudança radical na relação entre Brasil e Estados Unidos. Basta lembrar que Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, deputado e quase-embaixador, faz campanha ativa pela reeleição de Trump. Sem o republicano na Presidência, o Brasil poderia se ver subitamente sem um parceiro de primeira grandeza no cenário internacional.

Uma votação durante uma pandemia, em um cenário de polarização crescente, com ameaça de adiamento, que pode não ter debates e envolve uma dupla de septuagenários que acumulam gafes e declarações injustificáveis: a eleição americana de 2020 pode não ser como as outras. Em meio a tanto ruído, pode até passar despercebido o fato de a república americana estar prestes a escolher o seu 46º presidente, em uma sequência ininterrupta desde a primeira eleição presidencial, em 1788. É algo a ser celebrado – e imitado. Para o bem da democracia no continente, que as instituições da República mais antiga em funcionamento no planeta se mantenham assentadas em suas bases sólidas. A cada nova eleição, os Estados Unidos recolocam à prova as palavras de Abraham Lincoln em seu famoso Discurso de Gettysburg ao fim da Guerra Civil, e testam mais uma vez se aquela nação “concebida na liberdade e consagrada ao princípio de que todos os homens nascem iguais”, ou “qualquer outra assim concebida e consagrada”, poderá perdurar.

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