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 | Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas
| Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas

O governo federal está praticamente pronto para oferecer uma saída às empresas que venceram leilões de infraestrutura durante o governo Dilma e se mostraram incapazes de levar adiante as concessões de maneira satisfatória. A “devolução amigável”, que não é muito mais que um encerramento antecipado do contrato, já está prevista na Lei 13.448/2017, mas vários aspectos dela dependem de regulamentação que o governo pretendia publicar ainda neste primeiro semestre, antes de ser surpreendido pela greve dos caminhoneiros.

Os dois casos mais graves de concessões em situação problemática são os do Aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), e da BR-040. Viracopos esteve no primeiro lote de aeroportos licitados no governo Dilma, em 2012, e foi arrematado por um consórcio formado por Triunfo, UTC, a francesa Egis Airport Operation e a Infraero – a participação de 49% da estatal, algo de que o Planalto não abriu mão nos primeiros leilões, acabou se revelando um grande entrave, já que a Infraero entrou em situação econômica complicada que a impossibilitava de bancar sua parte nos investimentos previstos em todos os aeroportos. Os acionistas manifestaram a intenção de devolver a licitação em 2017; com a demora na regulamentação, o consórcio entrou em recuperação judicial. Já no caso da BR-040, que liga o Rio ao Distrito Federal, o consórcio Invepar (formado pelos fundos de pensão Previ, Petros e Funcef e a empreiteira OAS) venceu o leilão em 2013 e resolveu devolver a concessão em setembro de 2017.

O maior cuidado que deve ocorrer neste “acerto de contas” está na garantia de que os cofres públicos não saiam lesados

Motivos para a devolução não faltariam. Alguns são explícitos e são citados pelas próprias concessionárias; outros são fáceis de perceber, ainda que não sejam mencionados. Empreiteiras integrantes dos consórcios foram pegas em atos de corrupção na Operação Lava Jato; a crise econômica iniciada em 2014 reduziu a movimentação em estradas e aeroportos, diminuindo a arrecadação com pedágios e taxas de embarque; o aparelhamento político dos fundos de pensão dilapidou seu patrimônio, deixando-os sem recursos para investir; o dinheiro do BNDES prometido para ajudar os consórcios a realizar as obras exigidas nos editais não veio, ou veio em quantidade menor que a esperada. Esta última razão é a única que parece mais razoável, pois envolve uma promessa não cumprida feita pelo poder concedente ao concessionário. A queda da arrecadação causada pela crise, por outro lado, não deixa de fazer parte dos riscos inerentes ao negócio, ainda mais quando se trata de contratos com duração de décadas; e da má gestão e da corrupção nem é preciso falar.

Independentemente da regulamentação que venha a ser publicada, a Lei 13.448 já prevê que as atuais concessionárias mantenham o serviço até que seja feito outro leilão e um novo consórcio assuma a operação da rodovia ou aeroporto; e ainda proíbe aqueles que devolveram concessões de participar da relicitação. Mas o maior cuidado que deve ocorrer neste “acerto de contas” está na garantia de que os cofres públicos não saiam lesados – é preciso, por exemplo, manter as multas aplicadas antes que a concessionária tenha aderido ao processo de devolução. Por outro lado, a Lei 13.448 prevê pagamento de indenizações às concessionárias – o artigo 17 menciona especificamente “investimentos em bens reversíveis vinculados ao contrato de parceria realizados e não amortizados ou depreciados”. Tais bens são aqueles necessários à operação do serviço em questão, e que são devolvidos pela concessionária ao poder público no fim da concessão. Esse tipo de ressarcimento, quando ainda não houve a amortização do investimento feito, é bastante razoável – e nenhum investidor privado assume o risco de fazer um contrato com o poder público se não houver essa garantia, pois ela afasta o risco de o governo “enriquecer” apropriando-se de bens adquiridos ou construídos pelo ente privado. Mas outras compensações já não fariam tanto sentido; afinal, a iniciativa de abrir mão do negócio está partindo das próprias concessionárias.

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A essa altura, já está bastante evidente que as operações e serviços de infraestrutura funcionam melhor quando estão sob a responsabilidade da iniciativa privada, mas os episódios envolvendo concessões como as de Viracopos e da BR-040 mostram que ainda há muitas arestas a aparar na forma como as licitações são feitas – como no caso da exigência de participação da Infraero nos primeiros leilões de aeroportos – e na busca por maneiras de afastar sócios potencialmente problemáticos, atraindo investidores sólidos. A “devolução amigável” é uma forma encontrada pelo governo federal de solucionar casos urgentes; não pode ser banalizada a ponto de se tornar uma saída conveniente usada por concessionários para se livrar de suas obrigações quando os negócios não forem bem ou quando os sócios se meterem em dificuldades devido às próprias más escolhas.

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