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Cada vez fica mais difícil entender como algumas pessoas ainda insistem em chamar o governo venezuelano de “democrático”. A mais nova prova de que a democracia no país foi sepultada para dar lugar a um regime autoritário encabeçado por Nicolás Maduro foi a recente decisão da Justiça venezuelana de proibir 22 diretores dos jornais El Nacional e Tal Cual e do portal de informações La Patilla de deixarem o país.

A medida foi tomada em resposta à acusação feita pelo presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, que alega que os veículos o caluniaram ao insinuar a existência de um vínculo dele com o tráfico de drogas ao repercutirem uma reportagem publicada originalmente pelo jornal espanhol ABC. Na matéria do ABC, o número 2 do regime chavista aparece como líder de um cartel dedicado ao narcotráfico. A denúncia foi feita a partir de informações passadas por um ex-segurança de Hugo Chávez, e que depois integrou a equipe de seguranças de Cabello.

Se queremos garantir a continuidade da democracia, precisamos preservar a liberdade de imprensa

Em qualquer país democrático, denúncias contra homens públicos são comuns. Quando resultado de uma apuração jornalística séria e comprometida com a verdade, elas são uma importante fonte de informação para a sociedade. Muitos dos grandes escândalos de corrupção, por exemplo, só se tornaram públicos e passaram a ser investigados pelo Estado graças ao trabalho dos jornalistas. A imprensa livre para noticiar e denunciar quando for o caso é essencial para a democracia. E exatamente por isso sempre acaba perseguida pelos regimes autoritários, como o da Venezuela.

Na terra de Nicolás Maduro, a regra é tolher os veículos de comunicação que não se alinham ao governo. Desde Hugo Chávez, responsável pela Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Cinema, que impôs diversas restrições e teve como efeito prático a pasteurização do discurso dos canais de televisão, ser crítico ao governo se tornou cada vez mais difícil. As restrições para compra de papel jornal, por exemplo, enfraqueceram sensivelmente os periódicos impressos, que tiveram de diminuir o número de páginas e tamanho das publicações ou mesmo paralisar atividades.

Interrupções de sinal, cortes deliberados de energia e internet de igual modo prejudicam o exercício da imprensa em terras venezuelanas. Mas também há a pura e simples censura. Só no ano passado, a organização venezuelana Espacio Público contabilizou um total de 579 violações à liberdade de expressão, o maior índice registrado no país nos últimos 20 anos. A censura foi o maior tipo de violação reportado, com 145 casos, enquanto que as agressões, com 93 registros, ocuparam o segundo lugar.

Uma das estratégias do governo tem sido instrumentalizar o Judiciário – conivente com os desmandos chavistas – para perseguir a imprensa. Desde 2013, quando Maduro assumiu a presidência na Venezuela, aumentou o número de processos judiciais contra meios de comunicação, como o que agora impede que os diretores do El Nacional, Tal Cual e La Patilla deixem o país. Segundo levantamento feito pelo Instituto Imprensa e Sociedade, entre 2013 a 2014, 20 jornalistas e veículos de comunicação foram condenados por matérias publicadas. O número é muito maior do que o registrado durante o governo Chávez, quando apenas dois casos ganharam grande repercussão: a não renovação da concessão de um canal de tevê em 2007 e o fechamento de diversas emissoras de rádio em 2009.

Outra frente do cerceamento à imprensa livre na Venezuela tem sido a compra de compra de veículos de comunicação em dificuldades financeiras por pessoas “autorizadas” – simpatizantes ou apoiadores diretos do governo venezuelano. Logo após a mudança de dono, como se pode imaginar, o tom críticos dos veículos desaparece por encanto, adotando-se a cartilha de exaltação dos feitos governistas. Foi o que aconteceu com alguns dos principais grupos de mídia do país, como a Cadena Capriles e o canal de tevê a cabo Globovisión.

O triste exemplo da Venezuela serve de alerta para quem ainda defende a censura e o cerceamento da imprensa pelo Estado, como nas recorrentes propostas de “controle social da mídia” tão em moda entre aqueles que não perdem a ocasião de bradar contra a imprensa livre. Se queremos garantir a continuidade da democracia, precisamos preservar a liberdade de imprensa.

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