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EUA, Brasil e outros países continuam a reconhecer Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, endossando a prorrogação do mandato da Assembleia Nacional eleita em 2015.| Foto: Federico Parra/AFP

Os poderes legítimos não governam, enquanto os impostores, graças ao uso da força, detêm o poder de fato. Esta é a situação da Venezuela sob o bolivarianismo – já era assim no Poder Executivo desde 2019, quando o ditador Nicolás Maduro pretendeu tomar posse após um processo eleitoral totalmente fraudulento, levando o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, a proclamar-se presidente interino do país, com amplo reconhecimento internacional. Agora, a situação atinge também o Poder Legislativo, com a “posse”, no último dia 5, de uma suposta nova legislatura na Assembleia Nacional, quase que inteiramente composta por chavistas.

“Suposta” porque a ilegitimidade desta composição da casa legislativa é tão flagrante quanto a ilegitimidade de Maduro. Os deputados foram “eleitos” em outro pleito repleto de irregularidades, boicotado pelas forças democráticas, com intervenção judicial que colocou amigos do chavismo no comando de partidos até então de oposição a Maduro, e cujo resultado não foi reconhecido por boa parte da comunidade internacional, a não ser pelos camaradas ideológicos do bolivarianismo. Estes chavistas podem até intitular parlamentares, mas não o são; e o grupo que formam pode até se reunir diariamente no prédio onde deveria funcionar o Poder Legislativo, mas também não pode se intitular Assembleia Nacional – no máximo, uma “Assembleia Nacional paralela” e usurpadora.

A ilegitimidade da composição da Assembleia Nacional que tomou “posse” no dia 5 é tão flagrante quanto a ilegitimidade de Maduro. Os deputados legítimos continuam a ser os eleitos em 2015

Onde está, então, o legítimo Poder Legislativo da Venezuela? Afinal, pela lei, esta semana marcaria o encerramento de uma legislatura e o início de outra. Que status passariam a ter os deputados eleitos em 2015, quando o povo realmente teve voz e elegeu uma maioria de democratas? Além disso, caso a legislatura se desfizesse, Guaidó já não poderia reivindicar a presidência interina do país, pois também deixaria de ser o presidente da Assembleia Nacional. Pois um número suficiente de deputados conseguiu contornar as restrições de movimento impostas pela ditadura, reunindo-se e aprovando uma lei que prorroga, em caráter excepcional, os próprios mandatos, para evitar que houvesse um vácuo de poder. Uma atitude tão necessária quanto legítima.

O desafio seguinte seria conseguir o respaldo internacional. Pois não bastava que as democracias ocidentais repudiassem o Legislativo falso de Nicolás Maduro; seria preciso que elas também reconhecessem a extensão do mandato legislativo dos deputados eleitos em 2015, com Guaidó à sua frente – consequentemente, mantendo seu reconhecimento como presidente interino do país. Os Estados Unidos, o Reino Unido e boa parte do Grupo de Lima, do qual o Brasil faz parte, mantiveram seu endosso à Assembleia Nacional legítima e a Guaidó no próprio dia 5; apenas Argentina e México, com governos de esquerda, não assinaram a nota. Mais preocupante foi a postura da União Europeia. O órgão não considera legítima a eleição parlamentar de 2020, mas a Comissão Europeia também não reconheceu a ampliação do mandato da Assembleia Nacional legítima – e boa parte do Parlamento Europeu já demonstrou insatisfação com a decisão do braço executivo da UE. Na prática, a posição do bloco europeu passa a ser a de que não existe nem Executivo, nem Legislativo nenhum operando de forma legítima na Venezuela, já que o bloco também não reconhece a posse de Maduro em 2019.

A “posse” dos pseudodeputados chavistas, a bem da verdade, não muda muito na Venezuela. Mesmo quando ainda não havia uma Assembleia Nacional ilegítima, as decisões dos deputados eleitos em 2015 eram letra morta e continuarão sendo, já que Maduro segue impondo sua vontade graças ao apoio das Forças Armadas e dos coletivos paramilitares. O amplo repúdio da comunidade internacional a Maduro e o reconhecimento (agora desfalcado pela decisão da EU) de Guaidó pouco ajudaram a criar o clima para que a democracia retorne à Venezuela. E, neste momento, é difícil imaginar que a posse de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos altere o balanço de forças a ponto de Maduro aceitar uma negociação séria, já que nas rodadas anteriores, mediadas por outros países, a participação do ditador se mostrou apenas um teatro que lhe permitiu ganhar tempo enquanto aumentava a repressão internamente. O sofrimento dos venezuelanos, infelizmente, tem tudo para continuar.

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