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Construção civil é um dos 17 setores cuja folha de pagamento está desonerada atualmente.
Construção civil é um dos 17 setores cuja folha de pagamento está desonerada atualmente.| Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná

Não é exagero dizer que o emprego de milhões de brasileiros está em jogo neste dia 4 de novembro. É a data que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), marcou para que o Congresso derrube ou mantenha um veto do presidente Jair Bolsonaro à prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia. Esta questão já devia ter sido decidida muito tempo atrás, mas Alcolumbre vem adiando a análise do veto, chegando ao ponto de cancelar uma sessão no mesmo dia em que ela deveria ter ocorrido. Com isso, mantém-se uma incerteza perigosa para empresários e para cerca de 6 milhões de trabalhadores que atuam nestes ramos.

Originalmente, a desoneração da folha para estes 17 setores – que incluem áreas como tecnologia da informação, construção civil, indústria têxtil, máquinas e equipamentos, transporte rodoviário, calçados e comunicações – deveria terminar no fim de 2020, mas o Congresso (após acordo com o governo, é preciso lembrar) estendeu o prazo para dezembro de 2021, incluindo-o no texto da MP 936, que permitiu os acordos de redução de salário e suspensão de contratos de trabalho durante a pandemia de Covid-19. Não se tratava, de forma alguma, de um dos tantos “jabutis” que congressistas incorporam a MPs; afinal, a MP 936 tem como objetivo a preservação do emprego, e a desoneração da folha tem a mesma finalidade.

Voltar a fazer a cobrança cheia dos encargos trabalhistas no meio do caos trazido pela pandemia colocaria em perigo algumas centenas de milhares de empregos, quando o momento exige preservar postos de trabalho

Bolsonaro, no entanto, vetou a prorrogação, mantendo a desoneração apenas até o fim de 2020. Isso faria com que as empresas desses 17 setores voltassem a pagar os 20% sobre a folha, a título de contribuição previdenciária, quando hoje pagam de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Já existe articulação suficiente entre deputados e senadores para derrubar o veto, e não é para menos: a diferença entre os dois modelos é significativa, e voltar a fazer a cobrança cheia no meio do caos trazido pela pandemia colocaria em perigo algumas centenas de milhares de empregos, justamente no momento em que a prioridade absoluta é dar condições para manter e gerar postos de trabalho, em vez de perdê-los.

A equipe econômica, que sugeriu o veto ao presidente da República, tem dois argumentos principais contra a prorrogação. O primeiro, citado no veto, é o de que a desoneração significaria “acarretar renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que esteja acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”, já que o governo montou sua proposta orçamentária considerando que receberá a contribuição previdenciária total também dessas empresas. O segundo é o de que beneficiar apenas alguns setores cria uma distorção na economia.

São argumentos importantes, mas que vale a pena rebater. Quanto ao orçamento, trata-se de adequar a proposta de lei orçamentária ainda durante sua tramitação para acomodar mais um ano de desoneração. Não é tarefa simples, por certo, dada a pouca margem de manobra que a legislação deixa no orçamento, com tantas despesas obrigatórias, vinculadas e indexadas, mas que merece ser levada adiante tendo em vista seu impacto no emprego. Além disso, o súbito fim da desoneração pode ter efeito contrário ao pretendido pelo governo: se empresários tiverem de demitir para manter as despesas dentro do previsto – e podem até mesmo começar os cortes antes do fim do ano, para que as verbas rescisórias ainda fiquem sujeitas à regra atual –, a redução no emprego formal resultará em queda de arrecadação e no aumento da despesa governamental com seguro-desemprego e outros benefícios.

Na questão da isonomia, é preciso elogiar a disposição do governo em ampliar a desoneração da folha de pagamento para todos os setores na reforma tributária. No entanto, essa solução ainda está longe de estar sacramentada, pois não há o menor sinal de consenso quanto à maneira de compensar essa perda de arrecadação. Certamente uma desoneração geral é melhor que uma desoneração restrita a alguns setores; mas, enquanto aquela ainda não vem, a desoneração para alguns setores ainda é melhor que desoneração nenhuma, para quem tiver o olhar voltado à manutenção do emprego. A escolha, da parte do Estado, de áreas da economia que considera importante incentivar é perfeitamente legítima.

Cada dia sem que o Congresso analise o veto só contribui para deixar na incerteza inúmeras empresas, que não têm como se planejar para 2021 sem saber quanto terão de pagar ao governo – e, consequentemente, quantos funcionários conseguirão manter no próximo ano caso não haja uma recuperação robusta da economia. A cada adiamento, o Congresso desmente com a prática o seu discurso de preocupação com o emprego dos brasileiros. Que venha, sim, a desoneração total da folha de pagamento, para todos os setores, compensada de forma satisfatória em uma reforma tributária inteligente; mas, enquanto essa solução não vier, que se mantenha a desoneração possível no momento, para que o país não volte a perder postos de trabalho quando mais precisa deles.

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