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Na quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal definiu não exatamente um rito “do começo ao fim” para o processo de impeachment de Dilma Rousseff, mas tomou 11 decisões das quais as três mais significativas foram vistas como uma vitória para o governo. O STF desfez alguns dos atos da Câmara dos Deputados e de seu presidente, Eduardo Cunha, ao determinar que não pode haver chapa alternativa na escolha dos membros da comissão especial que analisa o pedido de impeachment, e que o voto para confirmar a composição desta comissão tem de ser aberto. Além disso, os ministros deram ao Senado o poder de engavetar o pedido de impeachment, caso ele seja aprovado na Câmara.

As principais decisões nos parecem equivocadas. Os argumentos apresentados pelo relator, ministro Luiz Edson Fachin, e que tiveram no ministro Dias Toffoli o seu principal defensor, eram suficientemente fortes e tinham a vantagem de garantir não apenas as prerrogativas do Poder Legislativo, mas a própria unicidade do parlamento federal. A proibição do “bate-chapa”, por exemplo, desvirtua o trecho do Regimento Interno da Câmara segundo o qual a comissão especial deve ser “eleita”. Ao haver apenas um elenco de membros apresentado à apreciação do plenário, o que era eleição se transforma em referendo.

Se o Senado pode simplesmente se recusar a abrir o processo, o trabalho dos deputados é desmoralizado

Mas ainda mais preocupante foi a quebra da harmonia do Legislativo com a decisão que permite ao Senado rejeitar o pedido de impeachment sem ter de chegar a promover o julgamento do presidente da República. O Legislativo, ainda que bicameral, trabalha como um só, em cooperação entre as casas. No processo de impeachment, aos deputados cabe avaliar a admissibilidade (tarefa que o artigo 51 da Constituição define como privativa da Câmara) e aos senadores cabe promover o julgamento.

Alguém poderia argumentar que, na prática, há pouca diferença: um Senado governista acabaria livrando o chefe do Executivo seja numa fase inicial de votação para se abrir o processo, seja no julgamento propriamente dito. Mas não é essa a questão. Se o Senado pode simplesmente se recusar a abrir o processo, o trabalho dos deputados, representantes do povo, é desmoralizado, não tem valor nenhum. Certamente não é isso o que o legislador tinha em mente quando desenhou as linhas gerais do impeachment.

O artigo 86 da Constituição não contempla a hipótese de não haver um julgamento pelo Senado. Isso foi ressaltado por Fachin em seu relatório e não significa, como tentou argumentar o ministro Luís Roberto Barroso, que os senadores ficariam em uma posição de subordinação diante dos deputados; trata-se do mero reconhecimento do papel de cada casa em um processo de impeachment.

Mas, por mais questionamentos que tenhamos, decisões da suprema corte devem ser cumpridas. E isso nos remete às consequências políticas do que foi definido na quinta-feira. O governo já havia deixado muito claro seu interesse em resolver o impeachment o mais rapidamente possível, antes que a economia se deteriorasse ainda mais e antes que houvesse um recrudescimento da pressão popular, que naturalmente diminui no fim do ano. Assim, seria de se imaginar que o atraso causado pela judicialização do processo fosse visto como problemático para o governo.

O processo, no entanto, estava se encaminhando ao gosto da oposição, com a vitória, em eleição secreta, da chapa alternativa, claramente favorável ao impeachment, para a comissão especial. Todo esse trâmite foi anulado: agora, haverá apenas uma lista de membros, indicados pelos líderes partidários, que será apreciada em votação aberta, deixando a possibilidade de retaliação governamental aos que se colocarem contrários aos interesses do Planalto. O atraso no processo é um preço que Dilma paga com muito gosto pelo privilégio de ter mais influência sobre a comissão que analisará seu futuro.

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