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Bastaram duas semanas de atuação para que o novo presidente da Câmara dos Deputados exibisse o seu arsenal de atributos como caudilho, oligarca e cacique. Junto, mostrou como funciona uma blitzkrieg política em ambientes dominados pela inércia. Exemplo perfeito das virtudes do voluntarismo onde campeia a apatia. A supremacia da onipotência sobre a impotência, do mandonismo escancarado sobre desmandos sussurrados.

Führer típico, determinado, ídolo dos medíocres, aliado predileto dos pusilânimes. No mostruário de lideranças fornecido pela Revolução Francesa, situa-se entre Georges Danton, o demagogo audacioso, e Joseph Fouché, o conspirador-manipulador, eterno sobrevivente, sacerdote capaz de fingir-se ateu para ganhar mais poder. Comparado com antigos parceiros como Collor e Garotinho, é um profissional padrão "intocável", tal como Daniel Dantas e outros ex-associados.

Eduardo Cunha é, neste exato momento, o político mais poderoso do país. Muito mais eficaz do que o partido que elegeu e reelegeu os dois últimos presidentes, mais safo e esperto do que o presidente honorário da sua agremiação e vice-presidente da República – com uma só cartada converteu Michel Temer em volume morto e a presidente reeleita, a durona Dilma Rousseff, em figura decorativa.

Quando operava na esfera estadual metia-se em constantes trapalhadas, chegou a sofrer um atentado e foi acusado de fazer negócios com famoso narcotraficante. Carioca que joga pesado, não brinca em serviço, foi quem descobriu um erro na documentação eleitoral do animador Sílvio Santos e, assim, tirou-o da corrida presidencial de 1989.

Ao ingressar na esfera federal, em 2003, percebeu o alcance dos novos holofotes, mudou o estilo, guardou a metralhadora, passou a servir-se de fuzis de precisão – não errou um tiro. Em apenas 12 anos, foi alçado ao Olimpo. O ex-presidente Lula não ousa desafiá-lo: recomendou publicamente à sucessora uma reconciliação.

Forte candidato a converter-se no primeiro déspota parlamentar, símbolo das deformadas democracias representativas do século 21 que fundiram o corporativismo de Mussolini com um bolchevismo de direita, messiânico. Preside a Casa do Povo, mas não consegue esconder a forte vocação autoritária e o gosto pelo exercício do poder absoluto. Já passou por três partidos – PRN, PPB-PP e PMDB, este o mais "progressista". Na verdade, é um espécime legítimo da era pós-ideológica, conservador, populista que poderá até proclamar-se parlamentarista para mais rapidamente tomar o poder.

Sua adesão ao ideário evangélico e a obsessão em implementá-lo a qualquer preço fazem dele um exemplar calvinista. Como operador, porém, prefere a lógica do capitalismo.

A promessa de impedir qualquer tentativa de regulação da mídia (como deseja parte do PT) nada tem de devoção à liberdade de imprensa. Qualquer projeto que corrija distorções no sistema midiático, por mais leve que seja, passaria obrigatoriamente pela anulação de concessões de rádio e tevê a parlamentares e pela proibição de cultos religiosos nas emissoras de tevê aberta – largamente utilizados por confissões religiosas, especialmente evangélicas. Na última semana, criou um comissariado para unificar a orientação dos diversos veículos da Câmara (jornal diário, rádio, portal e televisão).

Além das obsessões e preparo físico, ostenta um desembaraço verbal de radialista, suficiente para não cometer gafes grosseiras. Engravatado, certinho, sem barba nem bigode, óculos leves, passa a imagem de confiável, protetor, bom vizinho, bom burguês, capaz de sonhar com rupturas, mas não com o caos. Numa coleção de dez fotos tomadas já na Presidência da Câmara, cinco delas mostravam-no com a mão na boca, truque que até jogador de futebol apreendeu para não ser surpreendido por experts em linguagem labial.

Meteoro fascinante para acompanhar, preocupante como dono do poder.

Alberto Dines é jornalista.

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