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Vem do jargão desportivo, significa trapaça, ajuste maroto entre as partes para evitar drásticas sentenças judiciais. O sábio Juca Kfouri informa que a palavra é uma alusão à sala pesadamente atapetada do presidente do Tribunal de Justiça Esportiva no Rio, onde os cartolas do futebol consertavam os resultados do gramado e acertavam as patifarias coletivas.

Cronistas políticos tentaram criar um símile, igualmente magnificado, o acordão, grande acordo, sempre casuísta, intrinsecamente malandro. Ainda não pegou, confunde-se com acórdão, decisão judicial coletiva, legítima e legal. Como os acentos estão em desuso (a crase até já foi abolida) o acordão com duplo sentido dificilmente será consagrado.

Qualquer que seja o neologismo empregado, a verdade é que estamos assistindo a uma perigosa tentativa de abortar o salutar processo purgativo e expurgatório de nossa política. De repente, obedecendo a uma batuta invisível, os diversos naipes da grande charanga nacional começaram a ensaiar a burlesca ária da trégua.

Primeiro veio a manifestação indevida de Nelson Jobim, presidente do STF, que perdeu uma ótima oportunidade de preservar a discrição, eqüidistância e isenção inerentes ao cargo. Logo aboletou-se no estribo do bonde outro presidente, o da República, que esqueceu a ensandecida provocação da semana anterior e agora tenta sugerir à oposição um freio no delírio político para evitar a contaminação da economia. Esqueceu que suas recaídas carbonárias e populistas foram as responsáveis pelo nervosismo dos índices e mercados.

Tréguas são válidas como etapas de um percurso para a paz. A bandeira branca só merece credibilidade quando indica o caminho para a mesa da negociação (caso do famoso road-map do Oriente Médio). Um apressado tapetão, acordão ou pactozinho são patranhas, inadmissíveis neste estágio. O banquete antropofágico foi longe demais para ser interrompido, falta o prato principal – conhecer os culpados. Esta generosa trégua não pode substituir a concertação, o grande pacto político para reformar urgentemente o Estado em ruínas e tornar o Legislativo a autêntica representação da sociedade.

No momento em que a palavra ilicitude ganhou tal dimensão, que até impôs-se ao moto "Ordem e do Progresso", convém dar-lhe curso: nomear os infratores. Todos. Caso contrário a frustração pode ser avassaladora.

As reinações do deputado ACM Neto não podem sepultar as patranhas políticas do clã do avô no vice-reinado da Bahia. Todas as malas de dinheiro precisam ser investigadas, inclusive as do clã Sarney. A Operação Narciso em São Paulo não pode arquivar a Operação Lunus no Maranhão. A prisão dos donos da Schincariol não pode nos fazer esquecer os trambiques do Banco Santos, protegido por alguns poderosos clientes nos altos escalões da República.

Injusto que apenas as cuecas do PT cearense sejam expostas ao escárnio público. Se o PSDB mineiro inaugurou o valerioduto que seja devidamente investigado e punido. Mas não esqueçamos o propinoduto fluminense do casal Garotinho, nem o dizimão evangélico que está maculando a comunicação eletrônica no país e entregando-a nas mãos de congressistas-pastores-impostores. Está na hora de escancarar armários, gavetas e escovar toda a roupa íntima da política brasileira – ceroulas, calcinhas, anáguas, corpinhos e corpetes.

O diabólico mensalão não é fenômeno isolado, é decorrência do aparelhamento do Estado. A petização do país está presente em todos os níveis e setores da administração pública alijando servidores competentes, interrompendo iniciativas saneadoras, convertendo alianças políticas em pactos com o Diabo. Inclusive no Ministério da Cultura, cujo titular é do Partido Verde e só parece preocupar-se com o seu saracoteio pelas Europas.

O dinheiro de Taiwan precisa aparecer, ele foi direto para o PL, partido do vice-presidente e ministro da Defesa, que de repente assumiu o recato mineiro. Também a grana da Líbia precisa ser contada. A Senhora República em boa hora desencavada pela retórica do Campo Majoritário não pode admitir que o BNDES financie prazerosamente o metrô de Caracas e crie embaraços para a continuação do metrô de São Paulo.

A bandeira branca da trégua é bem-vinda. Mesmo esburacada e esfarrapada deve ser respeitada. Vai interromper o paroxismo, a truculência, os linchamentos e aposentar os Torquemadas. A conciliação, porém, não pode confundir-se com conluio nem suscitar suspeitas de tapetão. O vassourão não pode parar.

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