Mais transparência nunca foi sinônimo de menos democracia. Os maiores riscos à democracia se dão justamente a portas fechadas
O julgamento do mensalão está em uma de suas fases mais importantes. Com o ex-presidente da Câmara e deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) já condenado, em breve outros petistas do alto escalão do partido enfrentarão o Supremo Tribunal Federal. Faltam poucas sessões para os ministros darem seu veredicto sobre o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e outros dois nomes fortes do partido: José Genoíno e Delúbio Soares. A maneira como o julgamento vem se desenrolando já havia levado o PT a certos atos de desespero: advogados do partido pensaram em pedir que a imprensa abandonasse o termo "mensalão" e queriam solicitar à OAB que criasse uma comissão para evitar "atentados à democracia" no julgamento; o presidente da sigla, Rui Falcão, disse que a condenação de Cunha era um "golpe". Mas o deputado federal André Vargas, do PT paranaense, demonstrou que é possível cavar ainda mais fundo.
No que pode ser visto como uma incrível ironia, o secretário de Comunicação do partido usou a tribuna da Câmara dos Deputados na terça-feira para atacar a transmissão ao vivo do julgamento. "Acho um risco para a democracia que nós tenhamos, envolvendo quem quer que seja, um julgamento criminal on-line, quase um Big Brother da Justiça, no qual as questões técnicas nem sempre são levadas em conta, no qual há tentativa de linchamento moral de pessoas e partidos", afirmou, em seu discurso. As palavras do deputado constituem um desrespeito duplo: à democracia em si e aos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Ao contrário do que pensa o deputado, mais transparência nunca foi sinônimo de menos democracia. Os maiores riscos à democracia se dão justamente a portas fechadas, como nas negociatas para aquisição de apoio parlamentar com dinheiro público das quais o Supremo agora se ocupa. Reportagem da Gazeta do Povo publicada em agosto mostra como a transmissão do julgamento se tornou um marco ao possibilitar que o cidadão possa acompanhar a atuação dos ministros de forma direta. Mesmo o efeito colateral apontado por especialistas, de julgamentos mais lentos, motivados por uma preocupação maior dos ministros com a precisão de sua argumentação, nem de longe oferece o risco que André Vargas vê na veiculação ao vivo das sessões do STF.
Nas palavras do deputado ainda fica subentendida a insinuação de que os ministros do STF, agora vistos e avaliados ao vivo por boa parte dos brasileiros, estariam "jogando para a torcida" ao promover condenações mais para responder ao clamor popular que exige punição aos envolvidos no que provavelmente é o maior escândalo de corrupção da história do país e menos por estarem convictos da culpa dos acusados. Vargas, assim, questiona a seriedade dos ministros do Supremo, quando o Poder Judiciário é justamente o único cujos membros não dependem de aprovação popular expressa pelas urnas. A avaliação não chega a ser uma novidade; o conceito dos ministros do STF já não era dos melhores entre a cúpula petista, que entende como "traição" os votos de condenação proferidos por ministros nomeados por Lula e Dilma Rousseff, o que desmentiria a tese lulista de que o mensalão é uma farsa. Como se os ministros devessem favores aos presidentes que os nomearam; como se o Judiciário não fosse um poder independente e tivesse de se curvar ao governante de turno.
Não contentes em desmoralizar o Judiciário, líderes petistas voltaram a demonizar a imprensa. No mesmo dia em que André Vargas usava a tribuna da Câmara para atacar o STF, José Genoíno comparava jornalistas a torturadores. "O que estou vivendo hoje eu passei durante a ditadura. Os torturadores usavam pau de arara. A tortura hoje é a da caneta. É a ditadura da caneta", afirmou. O pretexto para a comparação era uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo segundo a qual o ex-deputado havia pedido a seus advogados que redigissem uma procuração para a mulher de Genoíno administrar suas contas em caso de condenação no STF. A informação havia sido confirmada pela assessoria jurídica do petista, que ainda assim se irritou. A vitimização nada mais é que um reflexo do incômodo que a imprensa livre provoca em um partido que, a julgar pelas declarações recentes, prefere mesmo a opacidade à transparência.
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