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O presidente Lula e o partido que ele fundou em inspirado momento de êxitos do movimento sindicalista, quando se afirmou como líder carismático, com grande capacidade de comunicação que empolgava as multidões reunidas nos comícios, viveram uma relação idílica de céu sem nuvens, que atravessou mais de duas décadas, quatro campanhas eleitorais, com três didáticas derrotas e a explosão dos 52 milhões de votos que alçaram o torneiro mecânico do áspero começo de vida ao sonho de olhos esbugalhados da Presidência da República.

As dificuldades no relacionamento, com a ciumada na distribuição de cargos, dos paparicos, da surda briga doméstica pelo prestígio junto ao sol que iluminava a bandeira vermelha do partido, começaram mesmo antes da posse. Com todos os disfarces da dissimulação e o esguicho dos desmentidos. Ainda foi possível aparentar a cerimônia do decoro enquanto as esperanças sustentaram a fé dos fanáticos, dos incondicionais, com as rixas no rilhar dos dentes das divergências com a política econômica no recorte conservador dos tempos do sociólogo Fernando Henrique Cardoso e de cega obediência às normas do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Por aí explodiria o primeiro racha petista com a turma da esquerda que acabou sendo expulsa, num rompante de insanidade suicida, para fundar o PSol, da estrela explosiva, senadora Heloísa Helena, e com os radicais da coerência. A obtusidade da arrogância acabara de criar no próprio ninho o mais temido adversário, hoje um renitente titular de crescente espaço na oposição, com candidata à sucessão de Lula e os braços abertos para acolher os dissidentes, identificados pelas mesmas insanáveis divergências.

Agora, o angu engrossou com a crise do PT na garupa do escândalo da corrupção, nas malas e cuecas dos mensalão, nas águas sujas do valerioduto que irrigam o aluguel e a compra de deputados. E chega ao ódio terrível que brota dos canteiros adubados do amor traído.

Lula tentou ficar de fora da crise petista, com o mesmo truque escapista que o sustenta no ar, nas alturas celestiais, como satélite do planeta do oportunismo e da esperteza. Mantém distância, não tem nada a ver com a desmoralização do partido que fundou e com ele se confunde nas barbas grisalhas e na falta do dedo mindinho da mão esquerda.

A mesma negaça que cultiva desde que o fracasso administrativo do governo abandonado às traças, paralisado pela doentia obesidade dos 36 ministros e secretários e pela inapetência do chefe deslumbrado com os rapapés das viagens internacionais, com o conforto do Aerolula de US$ 56 milhões e que, quando a agenda murcha, desaperta com os giros pelos esconsos do interior para os improvisos com a marca registrada das extravagâncias gramaticais ou a inauguração de qualquer coisa: de um trecho asfaltado de estrada na desgraceira dos buracos dos 57 mil km da rede rodoviária à botica para o povo, uma creche ou uma casa vazia.

Agora, na convulsão do PT, as sublimadas amarguras e frustrações romperam a casca e estão à vista. Lula e o PT cuidam muito mal das suas querelas. O presidente passou recibo na recusa pública em comparecer à eleição dos novos dirigentes do partido. Nem sequer apelou para a sovada desculpa da falta de tempo para a votação domingueira: flanava em São Paulo, com a família. Quando solicitado a dar uma explicação, escandiu a frase curta em tom ríspido: "Não votei porque não votei", que não chega a ser um primor de criatividade. Para amenizar o tranco, prometeu comparecer e votar no segundo turno, convocado para 9 de outubro, quando deve saldar a dívida da solidariedade ao Campo Majoritário, decaído do trono de maioria absoluta, quando mandou e desmandou com a arrogância de dono do pedaço, para a maior facção, obrigada a buscar acordo para garantir a vitória.

Os petistas em véspera de trocar o filé pelos fiapos de carne no osso, ensaiam a versão aloprada para justificar a própria desgraça, que atribui à oposição a trama para derrubá-los do nicho governista, em torpe golpe nos guardiões da democracia.

Desculpa em frangalhos. É duro reconhecer no exame de consciência diante do espelho, na solidão das insônias e nos arranques dos pesadelos, o fracasso das promessas tantas vezes bisadas.

Deixemos de conversa fiada. Nem o presidente Lula consegue isolar-se da enxurrada de corrupção que inunda o PT e chega ao Palácio do Planalto, depois de emporcalhar a Câmara dos Deputados e salpicar no Senado e muito menos o deputado Severino Cavalcanti convencerá a alguém da sua inocência matuta.

Lula e o PT são siameses, inseparáveis por cirurgia de risco. Um não vive sem o outro. O tamanho do partido sobrevivente e os índices de popularidade do presidente, quando a poeira baixar, definirão o destino da reeleição.

E sem ela o PT e os devaneios de Lula viram fumaça na aventura louca do salve-se quem puder.

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