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Coffins are unloaded to be buried in a mass grave at the Nossa Senhora cemetery in Manaus, Amazon state, Brazil on May 6, 2020. (Photo by MICHAEL DANTAS / AFP)
Imagem do enterro coletivo de vítimas de Covid-19 em Manaus, no Amazonas.| Foto: Michael Dantas/AFP

O Paraná superou, nesta última quarta-feira (6), a marca de 100 mortes por Covid-19. Com os dois novos óbitos registrados no Boletim Epidemiológico da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa), 101 paranaenses perderam a vida depois de infectados pelo novo coronavírus, na pandemia que chegou em março ao estado. Se, do ponto de vista epidemiológico, a 100ª morte tem valor muito mais simbólico que estatístico, o número é um marco interessante para comparar a evolução da doença no Paraná com outros estados em situação semelhante ou mais grave no enfrentamento da pandemia.

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O Paraná é o 10º estado brasileiro a atingir o número de 100 mortes, dado preocupante, uma vez que, em número de casos confirmados, o estado ocupa a 16ª posição no ranking. Amapá, Distrito Federal, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina já confirmaram mais do que os 1.627 casos paranaenses, mas não chegaram nas 100 vítimas da doença.

Desde o primeiro óbito no estado, o Paraná levou 40 dias para chegar ao 100º, o que mostra uma evolução mais lenta do que nos outros estados que já atingiram este patamar. São Paulo, por exemplo, chegou à 100ª morte em apenas 13 dias. O Espírito Santo, entre os 10 estados com mais de 100 mortes, era o estado com evolução mais lenta antes do Paraná, tendo transcorrido 34 dias entre o primeiro e o 100º óbito.

Para dobrar da 50ª para a 100ª vítima, o Paraná levou 17 dias, um tempo bem maior do que os 3 dias do Pará, os 4 de São Paulo e Pernambuco e mesmo os 7 do Espírito Santo.

“O tempo estimado para dobrar o número de casos de óbito no Paraná é em torno de 20 dias. Então, estima-se que, em dois meses e meio, caso seja mantido o patamar atual, chegaremos a mil mortes no estado”, alerta o infectologista Bernardo Montesanti Machado de Almeida, do Serviço de Epidemiologia Hospitalar do Hospital de Clínicas de Curitiba. “Se estaremos, daqui a dois meses, crescendo nos mesmos patamares de hoje, depende da população. A responsabilidade sobre a evolução da doença é das pessoas. Os governos podem e devem estimular, obviamente, mas quem decide sobre uso de máscaras, distanciamento espacial, etiqueta da tosse, uso de álcool, adaptação dos ambientes e estimulo ao home office, são as pessoas”, comenta.

Quanto tempo cada estado levou para chegar a 100 mortes por Covid*

1) São Paulo, 13 dias
2) Pernambuco e Ceará, 20 dias
4) Rio de Janeiro, 21 dias
5) Amazonas, 22 dias
6) Maranhão, 24 dias
7) Pará, 26 dias
8) Bahia, 33 dias
9) Espírito Santo, 34 dias
10) Paraná, 40 dias

* a partir da primeira morte confirmada

Mortalidade x letalidade

A taxa de mortalidade da Covid-19 no Paraná é considerada baixa, se comparada à média nacional. Com 101 fatalidades e uma população de 11 milhões, o estado tem 9 mortes para cada milhão de habitantes, enquanto a média nacional é de 39 por milhão. No Amazonas, já morreram 157 pessoas para cada um milhão de habitantes.

Já a letalidade da doença no estado preocupa. Um em cada 16 casos confirmados no estado evolui para óbito, bem próximo da média nacional de um para 14. A Bahia, por exemplo, tinha, na quarta-feira (6), 146 mortes, 45% a mais do que o Paraná, mas bem mais do que o dobro do número de casos (4.040). A letalidade no estado do Nordeste era de uma morte a cada 27 casos confirmados. Minas Gerais tinha 94 mortes dentro de 2.452 casos (letalidade de um para 26). Mesmo com a explosão de casos na última semana, chegando a 2.623 na quarta-feira, Santa Catarina tinha pouco mais da metade das mortes do Paraná (55), com letalidade de um para 47 casos.

Como explicar essa letalidade?

Para o infectologista do HC, a diferença nos índices de mortalidade e letalidade nos estados pode estar relacionada com as diferentes políticas de testagem e de notificação de casos adotadas. "A relação entre o número de testes e óbitos é influenciada principalmente pela disponibilidade de testes e política de notificação de casos. Como há alguma variação entre diferentes estados e cidades, espera-se diferença nessa relação. Outro fator que pode influenciar é o colapso do sistema de saúde, quando se perde a capacidade de identificar os óbitos por Covid-19, já que muitos falecem antes de terem atendimento nessa situação", diz.

Outra explicação pode estar na subnotificação da doença no Paraná. Com a política de só testar casos graves, o estado pode estar deixando de diagnosticar um número considerável de casos leves e assintomáticos da doença e, assim, a letalidade aparenta ser maior do que de fato é. Apesar de a política de testes do Paraná seguir a orientação nacional e ser equivalente à dos demais estados, o número de testes realizados no estado está relativamente menor do que em unidades da federação em situação semelhante em relação à pandemia. De acordo com o boletim da Sesa desta quarta-feira (6), o estado realizou 14.998 exames para detectar contaminação pelo coronavírus. Santa Catarina, que tem uma população de menos de 7 milhões de habitantes, já realizou 18.586 testes. O número de testes realizados no Paraná é semelhante aos 14.153 feitos no Espírito Santo, que tem uma população menor do que a metade da população paranaense (cerca de 4 milhões de habitantes).

Procurada pela Gazeta do Povo, a Secretaria de Estado da Saúde ressaltou que o Paraná está abaixo da média nacional em todos os índices: número de casos, mortalidade e, até letalidade - e informou que está ampliando a capacidade de testes no estado, que saltou de 200 para 600 por dia desde o início da pandemia. A secretaria disse estar atenta à alta letalidade (relação entre mortes e casos confirmados), mas destacou que o estado vem conseguindo controlar os números, "graças ao isolamento e às medidas de prevenção".

Contagem de óbitos é a melhor forma de acompanhar evolução do coronavírus?

O infectologista Bernardo Montesanti Machado de Almeida, do Serviço de Epidemiologia Hospitalar do Hospital de Clínicas, explica que para as autoridades em saúde o dado mais relevante para o acompanhamento da evolução de uma pandemia em determinada região é a taxa de reprodução da doença (Rt) e que a melhor forma de avaliá-la é com base nos óbitos e não nos casos confirmados.

Para começar, não há estrutura suficiente para detectar todos os casos de contaminação por coronavírus no Brasil, o que acaba gerando a já esperada subnotificação. Além disso, com a mudança de política de testagem durante a evolução da pandemia, ampliando de uma hora para outra o número de exames e a adoção de testes rápidos, a evolução do número de casos confirmados pode ser diferente da evolução real da contaminação no país.

Assim, a contagem de falecimentos em função da doença, por ser menos vulnerável a mudanças como a disponibilidade e política de indicação de testes, é apontada pelo especialista do HC como uma forma razoável de verificar o tamanho do problema em cada localidade.

Dessa forma, ele também descarta o índice de letalidade como um indicador confiável para fins de comparação, “visto que o critério de investigação de casos é muito variável de local para local, o que afeta diretamente esse indicador”. Ele cita o exemplo de países que realizam testes de forma mais ampla, incluindo casos leves, tendo, assim um maior número de casos, mas uma letalidade mais baixa, enquanto  países que investigam somente casos mais graves, terão uma relação mais alta entre o número de óbitos e casos notificados.

Ele salienta, ainda, que, mesmo que menos vulnerável, o número de óbitos também pode ser subdimensionado, “por falha na identificação de caso, limitação na sensibilidade dos testes, que podem dar resultados negativos mesmo quando há doença e, em um contexto de colapso do sistema de saúde, a impossibilidade de atendimento ao caso grave, que por falta de vagas não tem oportunidade de ser notificado e investigado”.

O médico aponta que a forma como as autoridades em saúde monitoram a situação da pandemia, então, é com base na taxa de reprodução da doença (Rt). A Rt basal do coronavírus é de 2,5, o que indica que uma pessoa infectada contamina, em média, outras 2,5 pessoas. Citando que o objetivo é atingir um Rt abaixo de 1, quando uma pessoa passa a contaminar menos que uma outra pessoa, o que causaria a diminuição de casos novos da doença, Almeida diz que há quatro formas de se atingir essa meta: imunidade, redução do período de transmissibilidade da doença através de medicações, redução do número de contatos pessoais dos infectados e a redução da possibilidade de contaminação na relação entre pessoas.

“Como não há vacina, a única forma se se imunizar é contraindo a doença (o que ainda é discutível). O Rt, então, baixaria de 1 quando 60% da população tiver sido infectada. Considerando uma letalidade de 0,5% a 1,5%, isso significaria a perda entre 1,25 a 3,75 milhões de vidas só no Brasil, uma situação inaceitável, portanto. Como também não há medicação comprovadamente efetiva, é preciso concentrar nas medidas de prevenção individual e isolamento social, até que tenhamos uma vacina eficaz”.

O médico comenta que, se o Brasil tivesse uma política de testagem em massa, poderia usar a estratégia semelhante à da Coreia do Sul de identificar os casos positivos, rastrear seus últimos contatos e isolá-los para evitar que contaminem outras pessoas e, assim, as medidas de isolamento poderiam ser bem menos rígidas que as atuais. “Como não sabemos quem está contaminado e quem não está, é que precisamos adotar isolamento mais rígido e medidas para reduzir o risco de transmissão quando o contato com outras pessoas for inevitável. É aí que entra o uso de máscaras, higienização das mãos, etiqueta da tosse e distância acima de 2 metros. Essa variável depende eminentemente do comportamento individual e, apesar de ser difícil de ser mensurada, tem se mostrado aparentemente eficaz como medida adjuvante”, explica.

No Paraná, segundo estudos da Universidade Federal do Paraná, o índice baseado em óbitos chegou a ficar abaixo de 1, no dia 21 de abril, mas voltou a crescer desde então, chegando a 1,2 no dia 29 de abril, última data analisada até agora pelo estudo. “Se não conseguirmos manter alta a adesão ao distanciamento social e às medidas de prevenção individual, provavelmente entraremos em colapso e termos de implementar lockdown, com todas as suas consequências negativas”, conclui.

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