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Programa Estadual de Integridade e Compliance, do Governo do Paraná
Programa Estadual de Integridade e Compliance, do Governo do Paraná| Foto: Rodrigo Félix Leal/ANPr

Foi em meados da década de 1970, nos Estados Unidos, que surgiu no meio corporativo o termo compliance. Na tradução literal para o português, a palavra significa conformidade. Foi a expressão encontrada para definir um conjunto de regras cujo intuito era inibir e prevenir atos de corrupção em grandes empresas. A prática se consolidou no âmbito empresarial a partir dos anos 90 e, mais recentemente, chegou à administração pública. Com os escândalos de corrupção recorrentes no Brasil nos últimos anos, tem se tornado cada vez mais frequente gestores públicos colocarem o termo em seus discursos e planos de governo.

A pergunta que fica é: trata-se de apenas mais uma expressão da moda ou um conceito realmente novo, que vai trazer aos cidadãos mais segurança de que os recursos públicos estão sendo bem administrados? Talvez a resposta venha somente a médio e longo prazo, mas pelo menos o Paraná já está dando seus primeiros passos. Com a aprovação de um projeto de lei na Assembleia Legislativa, o estado foi um dos primeiros no país a regulamentar um programa de compliance dentro do governo.

“O principal foco do programa para a administração é mudar a cultura do serviço público, criar a consciência de que todo servidor tem que agir com integridade, com ética, não pode ficar dando jeitinho”, resume o controlador-geral do Estado, Raul Siqueira, que está à frente do projeto. O texto aprovado pelos deputados e sancionado pelo governador Carlos Massa Ratinho Junior estabelece as diretrizes gerais do programa. O detalhamento das ações será definido posteriormente, por meio de decreto.

Para entender como o compliance funciona na prática, Siqueira explica que a implantação do programa está sendo feita em etapas. A primeira delas, já iniciada, é a chamada gestão de riscos. O trabalho consiste em mapear, junto a todas as secretarias e órgãos do governo, todos os riscos aos quais os servidores estão sujeitos, desde tomada de decisões até reparação de danos. “Um exemplo: na área de infraestrutura há riscos de obras não serem executadas ou contratos não serem cumpridos dentro do prazo. Após levantarmos todos os riscos, estabelecemos uma metodologia e um plano de ações que venha a diminuir esses riscos”, diz o controlador.

Esse trabalho vai resultar no plano de integridade, que irá definir as condutas que deverão ser seguidas pelos agentes públicos, quais providências serão tomadas caso sejam desrespeitadas e como casos de má conduta poderão ser denunciados. Além da divulgação dos planos, os servidores passarão por treinamentos para conhecer e se adequar às normas. “Talvez a população não veja nenhum resultado imediato disso. Mas o objetivo é que, ao longo do tempo, as pessoas percebam que o estado mudou, que, se houver corrupção, não será admitida”, garante Siqueira.

Ponta Grossa também adota novo controle interno

Foi o projeto elaborado pelo governo estadual que serviu de inspiração para que a prefeitura de Ponta Grossa, na região dos Campos Gerais, tomasse a dianteira entre os municípios paranaenses. O processo foi iniciado em fevereiro e o passo mais recente foi a criação de Unidades de Gestão e Compliance (UGC) em cada uma das 23 secretarias municipais. Esses órgãos têm como função instituir os controles internos e avaliar riscos, atuando em três frentes: pessoal, contratos e patrimônio.

“Todas as UGCs passaram por orientação e treinamento referente à utilização do sistema interno que contribuirá no acompanhamento e na avaliação dos riscos. Depois disso, cada unidade iniciou o processo de avaliação dos riscos dentro de sua secretaria, o que permitirá a elaboração de estudo de análise de riscos para que, na sequência, haja a padronização dos procedimentos de correção”, explica o controlador-geral do município, Lauro Costa.

De acordo com ele, o objetivo do programa é atenuar riscos e falhas, criando procedimentos e métodos que garantam maior transparência das ações públicas e eficiência na gestão. “Conforme as etapas da implantação do programa de compliance se efetivem, a intenção é que cada ação seja explicitada no Portal da Transparência, garantindo assim que a população tenha acesso ao trabalho que estamos realizando e por quais procedimentos o fazemos”, diz.

Curitiba dá início a projeto de compliance

Depois de Ponta Grossa, a capital paranaense também quer incorporar a tendência lançada pelo governo estadual na administração municipal. Portaria assinada pela procuradora-geral do Município de Curitiba Vanessa Volpi Bellegard Palacios em 17 de junho criou uma comissão destinada à elaboração de um código de ética e integridade e de um projeto para implantação de programa de compliance no município. Integram o grupo de trabalho os procuradores Mariana Rocha Urban (presidente), José Carlos do Nascimento, Christopher Marcantoni e Deonildo Luiz Borsatti.

Na justificativa para a criação da comissão, a procuradora-geral considera “a necessidade de criar mecanismos de identificação e gestão de riscos para assegurar a integridade na Administração Pública Municipal, mitigando a ocorrência de corrupção e desvios éticos”. Conforme a portaria, o grupo terá prazo de 30 dias para conclusão dos trabalhos.

Ideia de prevenção

Professor de Direito Empresarial da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e especialista na área de compliance, Alexandro Guirão explica que a iniciativa surgiu nas grandes companhias como uma forma de combater casos de corrupção envolvendo seus funcionários e governos. “Mais recentemente, ganhou força a ideia de que o poder público também precisa fazer a lição de casa. Não adianta prevenir na empresa e deixar que continue ocorrendo no setor público”, observa. Esse movimento se intensificou no Brasil com os escândalos de corrupção verificados nas últimas décadas.

Alexandro lembra que a própria Constituição Federal já impõe uma série de obrigações aos agentes públicos, como agir com impessoalidade, moralidade e eficiência. Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) estabelece normas para a gestão correta dos recursos públicos. “Essas ferramentas por si só já demandam medidas para inibir casos de corrupção. O que tem de diferente hoje em dia é que os métodos de compliance vêm sendo utilizados como uma forma de prevenção”, ressalta.

De que maneira esses métodos podem prevenir desvios de conduta? “Criando controles internos efetivos, não dando muita liberdade para atuação dos servidores, estabelecendo rotinas e produzindo relatórios, mostrando que eles cumpriram sua finalidade com o serviço público”, enumera o professor.

Cultura da integridade

Órgão responsável pela fiscalização dos gestores públicos no Paraná, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) também conta com um programa de compliance. Um dos responsáveis por sua implantação é o analista de controle externo Gustavo Luiz Von Bahten, que atua na área de Gestão de Risco. Para ele, ainda que já existam dispositivos para combater a prática de corrupção no poder público, o compliance representa um avanço. “A conformidade serve para prevenir problemas, monitorar situações e ter uma ferramenta para reação. Quando há uma uniformização de procedimentos, isso é produtivo”, afirma.

No entanto, o mais importante, na opinião de Gustavo, é levar a cultura da integridade à gestão pública. “O que acontece na administração pública há muito tempo são iniciativas pontuais. Quando você normatiza esses procedimentos, cria uma metodologia, ela se torna uma ferramenta de multiplicação. As pessoas começam a falar disso e passam a refletir sobre o assunto”, afirma.

Opinião compartilhada por Alexandro Guirão. “O principal papel do compliance é a prevenção. Cria-se uma cultura, uma consciência ética nos indivíduos. O agente público sabe que deve agir de acordo com as normas e que, caso isso não aconteça, será responsabilizado e irá sofrer as consequências.”

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