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Fachada da sede da OAB em Curitiba.
Fachada da sede da OAB em Curitiba.| Foto: Antônio More/Arquivo Gazeta do Povo

A uma semana das eleições para a presidência da OAB-PR, as duas chapas de oposição, Algo Novo e Artigo 5º, apresentaram pedidos de impugnação contra seus concorrentes na Comissão Eleitoral da entidade. Em comum, o fato alegado pelos impetrantes de que as outras chapas não estariam respeitando uma determinação imposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil: a obrigatoriedade de ter nas chapas pelo menos 30% de candidatos negros, ou seja, pretos ou pardos.

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A determinação é de dezembro de 2020, vale para as eleições do próximo dia 25 e coloca a autodeclaração como forma de caracterizar ou não o candidato como negro. E é justamente este o ponto apresentado pelas chapas em seus pedidos de impugnação: integrantes dos grupos adversários teriam se declarado como negros sem sê-los, apenas para fechar o número necessário dentro da cota estabelecida pela OAB.

O primeiro pedido de impugnação neste sentido foi feito pela chapa Algo Novo, após conseguir na Justiça Federal uma liminar que permitiu ver com detalhes como cada candidato das outras chapas se autodeclarou junto à Comissão Eleitoral da OAB-PR. Dessa forma, a chapa entrou com o pedido para que as outras duas concorrentes, Artigo 5º e XI de Agosto, fossem impugnadas por suposto cometimento de fraude na composição dos quadros. Ato contínuo, a chapa Artigo 5º – de posse dos mesmos dados – impetrou também seu próprio pedido de impugnação contra as chapas Algo Novo e XI de Agosto pelo mesmo alegado motivo.

Consultada pela Gazeta do Povo, a Comissão Eleitoral da OAB-PR disse que os dois pedidos de impugnação por suposta fraude na composição das chapas foram recebidos. Ainda de acordo com a Comissão Eleitoral, é esperado que na próxima segunda-feira (22) os pedidos sejam analisados e que haja uma decisão oficial sobre o tema. As eleições estão previstas para a próxima quinta-feira (25).

“Não podemos aceitar esse ‘faz de conta’”

Em entrevista por telefone, o advogado Marcelo Trindade, candidato à presidência da OAB-PR pela Algo Novo, descartou qualquer possibilidade de que seja feito um acordo entre as chapas como forma de solucionar a questão. Segundo ele, o critério sobre as cotas “não foi respeitado”, e “ignorar essa exigência do preenchimento das cotas é inadmissível”.

“Nas duas outras chapas várias pessoas que se autodeclararam como negras não são negras. Nós apontamos isso. Inclusive entramos com uma medida judicial para que essas outras duas chapas não sejam aceitas porque estão fraudando este critério que foi criado pela OAB. É um critério que existe, e não importa se eu concordo ou discordo dele. Ele precisa ser respeitado, é uma das regras do processo eleitoral. Fazer de conta que cumpre por esse critério é inadmissível, não podemos aceitar esse tipo de coisa, esse ‘faz de conta’”, disse Trindade.

Questionado sobre o fato de a chapa Algo Novo também ter sido alvo de um pedido de impugnação por também estar supostamente fraudando o preenchimento das cotas, o advogado se disse tranquilo. “Nós formamos uma comissão prévia na nossa chapa para averiguar essa questão e não corrermos o risco de admitir que alguém se declarasse preto ou pardo sem que o fosse. Todas as pessoas da nossa chapa que de fato fizeram essa declaração, elas passaram por essa avaliação prévia antes de serem incluídas como tal”, comentou.

“Não há uma política de inclusão, é marketing”

Rômulo Quenehen, cabeça de chapa da Artigo 5º, contesta essas afirmações. Segundo o candidato, a chapa Algo Novo também não conseguiu completar a cota de candidatos pretos ou pardos. “Fato é que nenhuma das chapas tem esse percentual de 30% de negros. As outras duas chapas juntas não têm nem cinco negros”, declarou.

“A Algo Novo não conseguiu atender as cotas nem dos pardos. Eles tinham conseguido 28 pardos e três negros, e precisavam de pelo menos 38 no total pela resolução. Eles não conseguiram atingir nem isso, e impugnaram as outras chapas alegando fraude. Quando a OAB nos disponibilizou a listagem detalhada de todas as chapas, nós entramos também com a nossa impugnação contra a Alvo Novo e a XI de Agosto”, explicou.

Quenehen fez críticas à OAB por ter, em sua opinião, criado um “subterfúgio” para permitir que a cota fosse preenchida não só por negros, como constava no edital, mas também por pardos, conforme estabelecido por um provimento do Conselho Federal.

“Não estamos entrando no mérito da questão racial, mas sim dizendo que essa história de inclusão da OAB é mentira, é marketing, não é uma política de inclusão. Na verdade, o que foi criado foi um subterfúgio, uma resolução, dizendo que poderia ser preenchido como pardos. No edital que foi lançado, eles falavam de 30% para negros. Pardo não é raça em nenhum outro país. Qualquer brasileiro que tenha uma descendência africana ou indígena pode ser considerado pardo. O meu avô era negro e o meu pai, na minha opinião era mulato, mas no atestado de óbito e nos documentos dele consta como negro. Então, automaticamente eu posso me declarar pardo. Foi o que eu fiz, não para usar das cotas porque nem precisamos. A minha declaração é sobre a pessoa que eu sou e ponto final”, disse.

Nas últimas eleições para prefeito em Curitiba, quando concorreu ao cargo de vice-prefeito na chapa com Marisa Lobo, pelo Avante, Quenehen aparece declarado como sendo branco. Questionado, o advogado disse à Gazeta do Povo que não houve mudança de entendimento, e que não foi ele quem preencheu o cadastro do sistema de divulgação de candidaturas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

“O partido no qual eu estava era um partido muito pequeno, então quem fez esses cadastros nem nos consultou. Eu nem acompanhei para ver se foi feito certo ou errado. Não estou falando que houve má-fé de quem cadastrou, porque eu sequer fui questionado se era branco, pardo ou negro. Para mim, não tem qualquer tipo de importância a minha cor. A minha importância é pela pessoa que eu sou”, disse.

XI de Agosto disse que vai aguardar decisão da OAB

Alvo de dois pedidos de impugnação, a chapa XI de Agosto, encabeçada pela advogada Marilena Winter, limitou-se a se manifestar por meio de nota enviada à reportagem. “A chapa XI de Agosto respeita a Lei. Vai apresentar defesa e aguardar a posição da Comissão Eleitoral da OAB/PR”, afirma a nota encaminhada pela assessoria da chapa.

Comissões devem analisar as impugnações

Em nível nacional, a OAB recebeu mais de 200 denúncias sobre supostas fraudes na composição das chapas que concorrem à presidência das seccionais estaduais. Como resultado, em resposta a uma consulta feita a respeito do critério de fiscalização do cumprimento do sistema de cotas nas eleições, a Comissão Eleitoral nacional da ordem decidiu que em casos de impugnação à autodeclaração deve ser formada uma comissão para analisar os candidatos pelas suas características físicas.

A decisão foi tomada pelo relator Airton Martins Molina, que em seu voto afirmou que “quanto mais retinta a pele, mais grossos os lábios e o nariz, mais crespo o cabelo, mais intenso o preconceito racial sofrido por esse indivíduo”. O relator reforçou que “num país marcado pela miscigenação e por um apagamento identitário, a autoidentificação como preto(a) e especialmente como pardo(a) é complexa."

Molina, por fim, apontou que “para as eleições deste ano não existem outros critérios a serem adotados em termos de fiscalização ou para fins de sustentar decisões sobre eventuais impugnações, senão análise transparente a ser realizada pelas comissões seccionais, dos registros de autodeclaração, com as informações que dispuserem, porém, sempre tendo por base o fator fenótipo”.

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